domingo, 25 de outubro de 2015

CERVEJA NOS ESTÁDIOS DE FUTEBOL

Publicado originalmente em SOUZA, Gustavo Lopes Pires de ; KOPKE, A. R. . Bebidas Alcoólicas nos Estádios de Futebol. Revista SÍNTESE Direito Desportivo, v. 25, p. 213-232, 2015

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BEBIDAS ALCÓOLICAS NOS ESTÁDIOS DE FUTEBOL


Anderson Resende Kopke
Delegado de Polícia Civil de Minas Gerais


Gustavo Lopes Pires de Souza
Doutorando e Mestre em Direito Desportivo pela Universitat de Lleida (Espanha)
Coordenador Adjunto e Professor na Faculdade de Direito de Contagem
Diretor do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD)
 Membro do Conselho Editorial da Revista Síntese de Direito Desportivo



Resumo: O presente artigo aborda a polêmica envolvendo a proibição das bebidas alcoólicas nos estádios de futebol com o objetivo de desconstruir a ideia de que o álcool seja causador da violência. Assim, o texto apresenta dados estatísticos a aponta as reais causas da violência nos estádios de futebol, bem como indica soluções.

Palavras-Chave: Violência no Futebol – Causas – Soluções - Bebidas alcoólicas – Cerveja - Proibição

Abstract: This article discusses the controversy surrounding the ban on alcohol in football stadiums in order to deconstruct the idea that alcohol is causing the violence. Thus, the text presents statistical data points to the real causes of violence in football stadiums , as well as indicating solutions.

Keywords: Violence at football stadium - Causes - Solutions - Alcoholic beverages - Beer - Prohibition


Sumário: I. INTRODUÇÃO; II. A VIOLÊNCIA NO FUTEBOL; III. BEBIDA ALCOOLICA E VIOLÊNCIA; IV. DA PROIBIÇÃO DAS BEBIDAS ALCOOLICAS NOS ESTÁDIOS DE FUTEBOL; V. CONCLUSÃO


I.  INTRODUÇÃO

A proibição da venda e do consumo de bebidas alcoólicas começou a vigorar no estado de Minas Gerais em 2008, quando o Conselho Nacional dos Procuradores Gerais do Ministério Público e a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) assinaram um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). O MP defende que as bebidas são causa de parte da violência ocorrida em alguns estádios.
           
O presente artigo tem por objetivo demonstrar que se a violência nos estádios caiu com a proibição de venda de bebidas nos estádios, aumentou em locais mais afastados ou nos arredores dos estádios.

Instalou-se de tal maneira a cultura do medo no senso comum, de modo a difundir um estereótipo negativo direcionado a todos os torcedores que apreciam o uso das bebidas alcoólicas nos estádios de futebol, para em resumo, fazer crer que todo torcedor que consumir bebidas alcoólicas necessariamente será violento.

Assim, o torcedor que tem o hábito de ingerir bebidas alcoólicas o faz antes e depois das partidas, em casa, no comércio, no caminho ou no entorno do estádio e deixa para entrar nas arenas poucos minutos antes do início das partidas, gerando grande aglomeração na entrada dos estádios.

Este trabalho, portanto, apresentará as razões para a proibição das bebidas nos estádios de futebol em contraponto com a sua ineficiência no combate à violência.

Como bem destaca Heloisa Helena Baldy dos Reis, a violência nos é fruto de uma série de fatores:

Exposto isso, concordo com Elias e Dunning (1992) que o esporte é uma das maiores invenções sociais que os seres humanos realizaram, porque oferece às pessoas a excitação libertadora de uma disputa que envolve esforço físico e destreza, enquanto suas regras reduziram ao mínimo, em comparação com os jogos coletivos que o antecederam, a possibilidade de algum praticante ficar, no decurso de uma partida, seriamente ferido. Nessa análise incluem-se tanto os esportistas (praticantes) como os seus espectadores, devido ao caráter mimético dos jogos coletivos esportivizados. (REIS, 2006).




II. A VIOLÊNCIA NO FUTEBOL


A violência nos estádios é “organizada” por bandos que integram torcidas organizadas e saem em grupos com intuito deliberado de brigar, espancar, assaltar e matar torcedores adversários, e o que vem acontecendo é que a proibição de bebidas nos estádios ampliou a zona de violência para regiões distantes das arenas. Esses meliantes se reúnem longe dos estádios para brigar e continuam ocupando bares fora da área de comercialização proibida.

O foco de estudo da violência no futebol é tema mais afeto ao campo da Sociologia e está muito mais ligado à passionalidade, radicalização, falta de educação e impunidade decorrente da frouxidão das leis do que necessariamente ligada ao consumo de bebidas.

Caso se parta da premissa do consumo do álcool como agente motivador dos delitos, essa ideia estaria presente em outros crimes, como por exemplo a violência doméstica, acidentes de trânsito, brigas em bares e boates etc. O que nos levaria a proibir bebidas de forma geral e instituir a Lei Seca no Brasil nos moldes do ocorreu, de forma totalmente ineficiente, no início do século passado nos EUA.

Conforme bem destacou o presidente do IDDBA (Instituto de Direito Desportivo da Bahia) o Dr. Milton Jordão em entrevista ao “IBAHIA”.:

"O veto a venda de bebida não fez os índices de violência reduzirem. Só vermos os casos recentes, do Atletiba, domingo, o Vasco x Corinthians no Mané Garrincha. Não é certo dizer que foi a venda de bebida que causou violência. O torcedor correto já não tem o entusiasmo de ir para o estádio porque ele não pode tomar a cerveja. Nossa ideia é trazer essa discussão. Temos um histórico de violência mais sem venda do que com bebida. Não vejo acréscimo ou decréscimo em virtude disso"

Destarte, imprescindível uma análise mais profunda nos contextos históricos, políticos e sociais para que se identifiquem as reais causas da violência.

Entretanto, não se pode, contudo, afastar que as causas da violência provem da própria sociedade.

“as causas da violência no esporte devem ser buscadas na sociedade. E aqui não há como escapar ou negar que a exclusão social é um fator preponderante dentre as múltiplas causas da violência. A pobreza, as péssimas condições de vida, o desemprego, a falta de escola, de moradia, de cultura, de lazer, etc”. [1]

A violência relacionada ao esporte deve ser compreendida em um sistema de metabolismo social contemporâneo.

O argentino Daniel M. Cesari Hernandéz acrescenta:

La violencia social, consecuencia, muchas veces, de la propia naturaleza humana y otras tantas de factores económicos, políticos y hasta religiosos, es uno de los factores que El Estado ha intentado controlar a través del derecho penal, aunque no con mucha efectividad.

Es sabido que la práctica deportiva genera violencia en si misma, producto del espíritu violento del ser humano, que ve en el contrictante no a un mero competidor, sino a alguien que pretende arrebatarle, su presa, representando, en consecuencia, al enemigo en dicha contienda. (HERNANDÉZ, 2009).

Os episódios de violência veiculados pela mídia, na maioria das vezes envolvem confrontos diretos entre torcedores rivais, o que acaba por gerar perplexidade e disseminar a sensação de insegurança entre a população e os pacatos frequentadores de jogos em estádios de futebol.

A edição on-line de 09/12/2013, do site LANCE!Net trouxe matéria intitulada “Violência entre torcidas já matou 234 pessoas, sendo 30 este ano”, repercutindo atos de violência ocorridos em Joinville-SC entre Atlético-PR e Vasco, em jogo válido pela série A do Campeonato Brasileiro.

Assim dispôs o periódico em sua edição “on-line”.

“As imagens de selvageria em Joinville (SC), durante o primeiro tempo de Atlético-PR x Vasco, repercutiram em tempo real por todo país. Afinal, o jogo era válido pela Série A do Brasileiro e estava sendo transmitido ao vivo pelas principais emissoras do país. Porém, a violência ligada ao futebol já acontece desde os primeiros dias deste ano, sendo “escondida” pelo fato de a imensa maioria das vítimas ter acontecido fora do eixo Rio-São Paulo, ou seja, de menor acompanhamento pela mídia nacional”.

“Já foram contabilizadas 30 mortes ligadas ao futebol, sendo que os estados Norte e Nordeste são os que mais sofreram com essa intolerância entre os torcedores, principalmente, daqueles que pertencem às facções uniformizadas”.

“No dia 3 de abril de 2012, o LANCE!Net trouxe um levantamento exclusivo que dava conta de 155 mortes ligadas ao futebol desde abril de 1988, quando se tem registro da primeira vítima ligada ao futebol - Cléo, presidente da Mancha Verde, em São Paulo. Neste momento, porém, o número é bem superior. Já são 234 mortes ligadas ao futebol no país”. [2]

Com o título “Violência mancha o futebol”, a edição on-line do site UOL ESPORTE de 20/07/2009, publicou estudo realizado pelo sociólogo e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Mauricio Murad, em que o Brasil ostenta o trágico 1º lugar no ranking de mortes ligadas ao futebol.

Registrou o periódico em sua edição “on-line”.

“O fato do Brasil estar ocupando o trágico primeiro lugar no número de óbitos em conflitos de torcedores deve-se, segundo o professor, ao fato de não ter ocorrido aqui uma reação a esse tipo de violência, tal como fez a Itália, promovendo reformas na legislação até para punir os dirigentes que incitam a violência. "No Brasil, infelizmente, não houve reação satisfatória e consistente", concluiu.”

“Mas a violência não é algo típico apenas do mundo esportivo. "Cresceu a violência no futebol porque cresceu a violência no país. E cresceu a violência no país porque a impunidade e a corrupção são cada vez maiores", concluiu o sociólogo”. [3]



III. BEBIDA ALCOOLICA E VIOLÊNCIA

Conforme demonstraram vários episódios recentes de confronto entre torcedores, trata-se de questão que não guarda relação com o interior do estádio, tampouco com o uso de bebidas alcoólicas.

Trata-se de questão mais afeita às práticas de inteligência policial, fiscalização e aplicação de penas mais rígidas. O que vemos no Brasil é uma enxurrada de proibições com baixa rigidez e pouquíssima fiscalização, que afetam apenas as pessoas socialmente engajadas, aos marginais não causam nenhuma mudança de comportamento.

O que nossa sociedade de forma geral precisa é leis e fiscalização mais rígidas para produção de uma mudança de comportamento coletivo. O indivíduo social precisa ter convicção que eventuais desvios de conduta serão firmemente punidos pelo Estado.

Um amontoado legislativo proibitivo com penas brandas que não geram punição efetiva, gera apenas um atolamento dos mecanismos estatais de fiscalização e punição (Polícias, Ministério Público e Poder Judiciário) que acabam por não solucionar a questão.

Ainda no campo das ações paliativas outras medidas poderiam ser tomadas como: venda de bebidas com baixo teor de alcoolemia; restrição de horários e elevação de valores.

Em estudo publicado na Inglaterra por Geoff Pearson e Arianna Sale em 2011 (PEARSON & SALE “‘On the Lash': revisiting the effectiveness of alcohol controls at football matches” in: Policing & Society, Vol. 21, No. 2, June 2011.) conclui-se que a restrição à bebida alcoólica nos estádios não é o fator determinante para a redução dos índices de violência.
Além disso, o estudo apontou os problemas causados pela proibição.

1) Os torcedores aumentam a quantidade ingerida de bebida antes de entrar no estádio e passam a ingerir bebidas mais fortes;
2) Entram no estádio em cima da hora do jogo, dificultando o esquema de segurança e gerando tumulto;
3) Os torcedores se concentram nos bares arredores, aumentando a chance de encontro entre torcedores rivais, em espaços sem esquemas de segurança.
5) Concentra a entrada do público em cima da hora do jogo, gerando: Aumento de filas; Aumento de catracas utilizadas; Aumento de custos; Aumento de tumulto e violência no acesso ao Estádio;
6) Estádio perde receita (restaurantes, lojas, eventos antes do jogo…);
7) Torcedor consome ainda mais bebida, com maior velocidade, inclusive bebidas quentes, sabendo que a bebida é proibida dentro do estádio;
8) Pessoas circulando na rua, dificultando o tráfego e o acesso ao estádio

A pesquisa durou quinze anos e realizou entrevistas com autoridades policiais do Reino Unido e da Itália e torcidas inglesas.

Assim, percebe-se que o veto à venda de bebidas alcoólicas nos estádios é apenas uma cortina de fumaça utilizada pelo Poder Público como um paliativo ineficiente para as questões de segurança pública e impunidade.

O fato é que enquanto os delinquentes que participam de brigas e confrontos não forem exemplarmente punidos, a violência permanecerá.

Na prática nossos governantes, autoridades e clubes tomando medidas ilusórias e paliativas para dar uma resposta à Sociedade, mas sem efetividade.

Iniciou-se com a proibição da venda de bebidas alcoólicas, posteriormente instauraram os jogos com torcida única e, atualmente, cresce movimento tendente a banir as organizadas. Daqui a pouco banirão os torcedores dos Estádios/Arenas e todos serão incentivados a assistir os jogos em casa.

Nos Estados Unidos, nas Ligas Profissionais e na UEFA Champion League vende-se bebidas. Ou seja, o álcool definitivamente não é vetor de violência para esses povos desenvolvidos.

O que combate a violência são punições céleres e severas aos bandidos que participam de briga. Ademais, deve-se tratar o torcedor como um cliente, tal como já prevê o Estatuto do Torcedor.

Enfim, a violência no futebol e na sociedade corresponde a um fenômeno bastante complexo oriundo das mais diversas causas, mas as principais são a falta de respeito aos torcedores, civilidade e a impunidade.

IV. DA PROIBIÇÃO DAS BEBIDAS ALCOOLICAS NOS ESTÁDIOS DE FUTEBOL

O Estatuto do Torcedor em seu artigo 13-A, assim estabelece:

“Art. 13-A. São condições de acesso e permanência do torcedor no recinto esportivo, sem prejuízo de outras condições previstas em lei:
II – não portar objetos, bebidas ou substâncias proibidas ou suscetíveis de gerar ou possibilitar a prática de atos de violência;

Portanto, o Estatuto do Torcedor não proíbe a venda de bebidas alcoólicas. Destarte, art. 13-A do referido Estatuto estabelece como condição de acesso e permanência do torcedor no recinto esportivo não portar objetos, bebidas ou substâncias proibidas ou suscetíveis de gerar ou possibilitar a prática de atos de violência.

Ora, não há qualquer vedação expressa à venda de bebidas alcoólicas e eventual proibição incorre em grave violação ao inciso II da Constituição Brasileira ao dispor que ninguém poderá fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de Lei. Assim, percebe-se claramente a ausência de vedação legal às bebidas nos estádios de futebol e afronta clara e indubitavelmente o princípio constitucional da legalidade.

Portanto, não sendo as bebidas alcoólicas substancias lícitas qual o fundamento legal para a vedação de sua comercialização nos Estádios de Futebol?

Doutro giro, não há qualquer descrição legal ou estudo que aponte de forma inquestionável quais bebidas seriam capazes de gerar ou possibilitar atos violentos.

No Brasil, proíbe-se a venda e do consumo de bebidas alcoólicas nos estádios de futebol, de três maneiras:

a). Legislações infraconstitucionais, expedidas por Assembleias Legislativas de nossos entes federativos, como já o fazem o Estado de São Paulo por meio da Lei 9.470/1996, Estado do Rio Grande do Sul (Lei 12.916/2008), Estado do Pernambuco (Lei 13.748/2009) e Estado do Rio de Janeiro (Lei 2.991/1998).

b). Termos de Ajustamento de Conduta (TAC’s) em vigor nos estados de Minas Gerais, Santa Catarina, Rio Grande do Norte, Paraná e Distrito Federal.

c). Resolução da Presidência da CBF 1/2008, expedida após termo de adendo realizado junto ao Protocolo de Intenções celebrado com o Conselho Nacional dos Procuradores Gerais do Ministério Público dos Estados e da União.

O pioneirismo na proibição das bebidas alcoólicas foi do Estado de São Paulo, após a tragédia ocorrida no Estádio do Pacaembu entre torcedores da Sociedade Esportiva Palmeiras e São Paulo Futebol Clube que duelaram fortemente resultando na morte de um torcedor, durante a final da Copa São Paulo de Futebol Júnior de 1995. Ali surgiu a premissa de proibição de venda de bebidas alcoólicas nos Estádios como medida de combate à violência.

Para a professora Heloisa Helena Baldy dos Reis, a tragédia de 1995 foi o “ponto inicial por parte do Poder Público para a tomada de providências quanto ao crescente aumento da violência nos espetáculos esportivos”. (REIS, 2006, p. 18).

Ora, na hipótese de crimes cometidos por torcedores alcoolizados, deve-se punir individualmente o transgressor e não toda a coletividade.

Destaque-se a perda no incremento das receitas dos clubes pela ausência da venda de referidos produtos, mas principalmente, e aqui muito mais relevante, bem como a perda da oportunidade de se promover a reeducação de determinados torcedores, enquanto sujeitos de direitos e obrigações, antes, durante e após o apito final das partidas.

Em estudo realizado em 2011 pela Federação Pernambucana de Futebol (FPF) e pelo  Juizado Estadual do Torcedor (PE), concluiu-se que os casos de briga e vandalismo costumam ocorrer fora dos estádios,  na maioria das vezes distantes das Arenas esportivas.

Referidas afirmações, proferidas por quem vivencia e/ou atende semanalmente as ocorrências decorrentes da violência no meio esportivo, incontestavelmente apresenta-se como forte argumento apto a combater as infundadas alegações do CNPG, o qual, afirma ter diminuído no Estado do Pernambuco, alegados índices de violência após a proibição da bebida alcoólica em vigor desde 2007.

Em Minas Gerais, de forma comparativa e aleatória, foram feitos levantamentos de oito datas de clássicos entre Atlético e Cruzeiro, quatro antes e quatro depois da proibição de bebidas nos estádios ocorrido em 2008 através de Termo de Ajustamento de Conduta assinado pela Federação Mineira junto com o MPMG.

Para tanto foram levados em consideração os crimes de homicídio, lesão corporal, vias de fato e agressões mais ligadas às disputas clubísticas:

  
DATA DO[4] FATO
HOMICIDIO
LESAO CORPORAL
RIXA
VIAS DE FATO / AGRESSAO
Total geral
CONSUMADO
TENTADO

26/03/2006
-
-
3
-
2
5
06/05/2007
2
1
-
-
2
5
24/04/2008
-
1
-
-
2
3
13/07/2008
-
-
1
-
1
2
26/04/2009
-
-
4
-
1
5
20/02/2010
1
-
2
3
4
10
04/12/2011
-
1
3
-
2
6
13/04/2014
-
1
-
-
-
1
Total geral
3
4
13
3
14
37


Resumidamente, entre 2006/2008 houve o total de 15 (quinze) registros. No período de 2009/2014, já com a proibição de vendas de bebidas nos estádios em vigor, foram totalizados 22 registros. Ou seja, houve uma elevação considerável de 46% (quarenta e seis por cento).

Na mesma esteira, muitos estudos comprovam a inexatidão acerca da “relação direta e indubitável” existente entre comportamentos violentos e bebidas alcoólicas. Pesquisas do Cebrid – Centro Brasileiro de Informações Sobre Drogas Psicotrópicas em conjunto com a Unifesp – Escola Paulista de Medicina, esclarecem de forma didática, a incidência de efeitos não violentos em muitos indivíduos que fazem uso de bebidas alcoólicas:

“A ingestão de álcool provoca diversos efeitos, que aparecem em duas fases distintas: uma estimulante e outra depressora. Nos primeiros momentos após a ingestão de álcool, podem aparecer os efeitos estimulantes como euforia, desinibição e loquacidade (maior facilidade para falar). Com o passar do tempo, começam a aparecer os efeitos depressores como falta de coordenação motora, descontrole e sono. Quando o consumo é muito exagerado, o efeito depressor fica exacerbado, podendo até mesmo provocar o estado de coma. Os efeitos do álcool variam de intensidade de acordo com as características pessoais. Por exemplo, uma pessoa acostumada a consumir bebidas alcoólicas sentirá os efeitos do álcool com menor intensidade, quando comparada com uma outra pessoa que não está acostumada a beber. Um outro exemplo está relacionado a estrutura física; uma pessoa com uma estrutura física de grande porte terá uma maior resistência aos efeitos do álcool. O consumo de bebidas alcoólicas também pode desencadear alguns efeitos desagradáveis, como enrubescimento da face, dor de cabeça e um mal estar geral. Esses efeitos são mais intensos para algumas pessoas cujo organismo tem dificuldade de metabolizar o álcool. Os orientais, em geral, tem uma maior probabilidade de sentir esses efeitos.”
www.unifesp.br/dpsicobio/cebrid/folhetos/alcool_.htm

Interessante destacar que o tempo de concentração máxima de álcool no sangue encontra-se na faixa de 30 a 90 minutos após o consumo, podendo se estender por até 02 (duas) horas no caso de consumo de grandes quantidades.

Assim, o consumo próximo aos estádios se estende até próximo ao início das partidas, razão pela qual os bebedores inveterados atingem o máximo de concentração alcoólica justamente durante os jogos e dentro dos estádios, o que contraria totalmente a ideia de proibir a venda de cervejas dentro dos estádios como forma de contenção da violência.

Corroborando com estes entendimentos, encontramos em aprofundado estudo sobre o perfil dos torcedores de organizadas, promovido pela especialista Dra. Heloisa Baldy dos Reis e apresentado pelo sociólogo e especialista em torcidas organizadas, Vanderlei de Lima, em seu livro Reflexões e histórias acerca da maior organizada de interior no centenário do Guarani Futebol Clube, um notável dado colhido a partir de pesquisas realizadas com 813 homens na faixa etária entre 15 e 25 anos filiados as maiores torcidas organizadas ligadas ao Corinthians, São Paulo e Palmeiras.

É lógica a conclusão que para torcedores violentos o consumo de bebidas alcoólicas diminuem sensivelmente qualquer possibilidade de sucesso em contendas com seus rivais, já que a bebida diminui o reflexos e aumento o tempo de reação mental e muscular.

Uma pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) em 2012 revelou que apenas 5% dos torcedores refletem e agem sob o pálio da violência nos estádios quando ingerem bebidas alcoólicas.  Segunda a mesma pesquisa a violência é despertada por uma mistura emotiva de sentimentos ligados ao fanatismo dos torcedores, decisões de árbitro, infraestrutura inadequada, falta de policiamento e declarações de jogadores.

Cita-se, apenas a título de curiosidade, a Alemanha que não faz qualquer tipo de restrição ao consumo e à venda de cervejas nos estádios, recentemente o Bayern de Munique (23/05/2015) distribuiu gratuitamente cervejas aos torcedores na comemoração do título Alemão temporada 2014/2015. Há uma percepção da relação prazerosa e divertida entre cerveja e futebol.

Outra comparação razoável é o caso da Inglaterra que durante certo período proibiu a comercialização de bebidas no interior das praças desportivas. Entretanto, não comprovada a eficiência da medida voltaram atrás na proibição e foi liberado o consumo, porém com regras mais rígidas de controle.

Em entrevista para divulgação do livro An etnography of english football fans: cans, cops and carnival, o Professor de Direito, Geoff Pearson da Universidade de Liverpool, defende que não existe nenhuma prova de que a proibição à venda de álcool em estádios ingleses reduziu a violência no país. Nem mesmo a polícia inglesa pedia a proibição, comenta Pearson.

Estudioso sobre o assunto o ilustre Felipe Bertasso Tobar afirma que:
“na comparação dos jogos de futebol enquanto polo de atração de muitos “torcedor-consumidores” para com outro evento de lazer de massa, notadamente concertos musicais de grande expressão, seja do estilo Rock’n Roll ou Heavy Metal, os quais como de conhecimento geral, possuem permissão para comercialização de bebidas alcoólicas em suas dependências, em que pese tais atrações explorem livre e fortemente apologia ao consumo de drogas licitas (cigarros e bebidas alcoólicas) e, principalmente ilícitas (cocaína, LSD e outras).

É de conhecimento que um show no qual se apresente bandas como “AC-DC”, “Sepultura”, “Metálica”, ou até mesmo em eventos de grande porte que agregam variados estilos musicais como o Planeta Atlântida (Rio Grande do Sul e Santa Catarina), Rock’n Rio e SkolBeats, certamente presenciaremos a lotação máxima da capacidade disponibilizada para o público. Curiosamente, tais shows são realizados em praças esportivas, vide Estádio do Morumbi, Beira-Rio, Maracanã e Mineirão, os quais possuem capacidade média aproximada para 60.000.00 até 80.000.00 espectadores”. [5]

No comparativo acima citado percebe-se a ofensa clara a outro princípio constitucional, o Princípio da Isonomia. As autoridades que lidam com o futebol dispensam tratamento diferenciado em relação aos demais frequentadores de espetáculos de massa.

Em consulta ao site Wikipédia para comparação entre as médias de público antes e depois da proibição do consumo de bebidas nos estádios é possível constatar que não houve elevação das médias de público e consequentemente não houve retorno das famílias aos estádios, veja os anos mais recentes: 2005: 13.600; 2006: 12.300; 2007: 17.461;  2008: 16.992; 2009: 17.807; 2010: 14.800; 2011: 14.976; 2012: 13.148; 2013: 14.969 e 2014: 16.537.[6]

Essa variação de média de público depende muito mais de qual o clube está brigando pelo título e do equilíbrio do Campeonato Brasileiro.

O próprio ex-ministro Aldo Rebelo comentou publicamente que não vê o sentido em proibir dentro dos estádios, em recinto privado, algo que as pessoas fazem legalmente e publicamente nos bares e restaurantes ou privadamente em suas casas. E acrescenta que num dia tem um jogo, e não pode vender bebida. No outro dia tem um show da Madonna e pode vender qualquer bebida.

Arlindo Chinaglia[7] (1996) destaca que a predominância da impunidade na sociedade brasileira estimula e reforça a violência, e afirma que a impunidade está em todos os setores.

O público do futebol deveria ser tratado pelos gestores futebolísticos como consumidor de uma mercadoria de alto padrão, titular de direitos e obrigações. Esse torcedor/consumidor deseja uma Arena Esportiva com tratamento respeitoso, bom acesso, conforto, assentos espaçosos, higiene, lugares marcados, comida e bebida de boa qualidade. Enfim, um ambiente de descontração familiar para levar seus filhos e parentes aos Estádios.

Ademais, podemos afirmar que se não há qualquer comprovação técnica ou científica da redução da violência nos Estádios após quase dez anos de proibição de venda de bebidas alcoólicas nos Estádios e não houve elevação das médias de publico nos Estádios, já está na hora de partirmos para outras ações na tentativa de elevar a sensação de segurança nas Arenas e estimular o retorno maciço das famílias às praças esportivas.

VI – CONCLUSÃO

Com base no que ocorreu nos eventos patrocinados pela FIFA em 2014 (Copa do Mundo) e 2013 (Copa das Confederações) com liberação de bebidas alcoólicas nos estádios sem que isso representasse qualquer elevação de criminalidade, podemos afirmar que o problema da violência nos Estádios tem muito mais relação com falta de educação e consciência de impunidade que o consumo de álcool. É como o caso do marido traído que vende o sofá da sala quando descobre a traição. O que nos falta é enfrentar o problema de frente e não criar proibições e restrições que só inibem quem já possui consciência social.

Necessita-se de um Estado mais forte que puna com mais rigor os desvios reais e não os meramente potenciais. O Estado não consegue fiscalizar e punir severamente as ações realmente lesivas ao convívio social e opta por criar uma gigantesca gama de restrições pouco efetivas ao enfrentamento de comportamentos antissociais.

A punição do estatal só é eficiente quando o legislador escolhe uma gama de ações realmente lesivas e lhes atribui punição firme, de pouco adianta uma enxurrada de leis punindo atos pouco lesivos ou meramente potenciais com penas brandas para mascarar a ineficiência fiscalizadora, culminando com essa sensação de impunidade reinante na sociedade brasileira.

Afinal de contas para a segurança pública qual a diferença de beber dentro ou fora dos estádios, esse paliativo tolo tem mais contornos de hipocrisia do que de tentativa real de solucionar os problemas de violência endêmicos da sociedade brasileira.

A violência no Brasil carece de um tratamento mais amplo, reestruturador e não apenas reações pontuais.

Vale destacar, ainda, a importância do tratamento do torcedor, conforme destacado no artigo “Tratamento do torcedor: abismo entre o Brasil e os EUA.

Os ingressos foram adquiridos com antecedência pela "internet". Há valores diferentes de acordo com a localização do assento. Os preços variavam entre 22 e 400 dólares. Ao lado do ginásio um imenso estacionamento permitiu que rapidamente estivéssemos no hall de entrada que foi superado sem filas e/ou atropelos. Na entrada fomos recebidos por gentis agentes de segurança para revista e, em seguida, por recepcionistas que entregaram uma livreto intitulado "gameday", com as informações sobre a partida. No hall de entrada as "cheerleaders" sorridentes posavam para fotografias com os torcedores e ao fundo uma imensa escada rolante dava acesso aos corredores internos. Sem nenhuma fila e após apresentar minha identidade, comprei uma cerveja em uma das diversas opções disponíveis (inclusive redes conhecidas de "fast-food"). Ao me dirigir ao meu assento, um educado funcionário me indicou exatamente o número de minha cadeira. Ao me sentar, a suntuosidade do ginásio chamou atenção. Um imenso telão centralizado no teto dava o tom e os diversos letreiros eletrônicos entre os anéis da arquibancada davam um ar futurista. Chamou-me a atenção o fato de as arquibancadas estarem vazias. No entanto, faltando cinco minutos para o início da partida, o ginásio lotou. Tal fato se deu em razão de os torcedores terem a tranquilidade de dirigirem-se ao seu assento somente para assistir ao evento, uma vez que o seu lugar comprado é respeitado. Nos intervalos dos "quartos", o narrador oficial interagia com a torcida utilizando músicas e imagens no telão. Enfim, um programa que no Brasil é tido como masculino se transforma em uma atração para toda a família. Ao final, sem qualquer atropelo, nos corredores havia pequenas lojas com produtos do Orlando Magic. Importante mencionar a situação das instalações sanitárias. Dignas de "Shopping Centers", os banheiros possuíam som ambiente da narração da partida. "In loco" foi possível entender os motivos de tamanho sucesso. Perdendo ou ganhando, o torcedor sai da arena esportiva feliz pela festa, pelo conforto. Não há sofrimento[8].


É muito importante que os dirigentes entendam o evento esportivo de forma profissional e tratem com respeito os torcedores/consumidores que paguam pelo evento. Consumidor feliz é consumidor pacífico, enquanto consumidor insatisfeito reage com agressividade,
Torcedores bem tratados e satisfeitos são sinônimo de Estádios e cofres cheios, pois, neste contexto, independente dos resultados esportivos, a venda de ingressos, de jogos pelo sistema “pay per view” e de produtos licenciados atingiriam patamares elevados. (SOUZA, 2010).

Há, ainda a necessidade de se adotar campanhas preventivas e de conscientização, como destacou o professor Jose Luis Carretro Lestón em “El Analisis Jurídico de la violencia en el deporte” em palestras apresentadas na a Conferencia em Barcelona da U.I.A – 1988:

A nivel preventivo, sólo campañas de concienciación de deportistas y espectadores, manifestaciones colectivas de repulsa a todo tipo de vilencia deportiva, la decidida voluntad de denuncia de agresores y alborotadores y la instauración de medidas de seguridad efectivas en los ámbitos federativos y gubernativos, pueden impedir la progresión de estos fenómenos que comentamos. (1989).

Portanto, a fim de prevenir atitudes violentas nos estadios de futebol, imprescindível que se façam camanhas de conscientização demonstrando a repulsa por qualquer atitude hostil dentro ou fora das Praças Esportivas.

No mesmo trabalho, o professor Andreu Camps Povil destaca la falta de estudos sobre os efeitos pedagógicos da violencia no futebol:

En cambio, se ha estudiado muy poco la influencia pedagógica en la violencia, ni en su aspecto positivo, es decir, como se debería hacer una intervención pedagógica que pudiera disminuir la conducta violenta de los futuros deportistas ni en su aspecto negativo de intuir cuáles son los factores pegagógicos que influyen en una conducta qgresiva, lo cual supondría determinar tener en la resolución de una conducta, cosa que evidentemente no es ni mucho menos nada fácil. (1989).

Neste sentido, a legislação espanhola estabelece que as escolas devem conferir as seguintes orientações:

A nivel represivo, la correcta aplicación de las normas sancionadoras (federativas, gubernativas y penales) y resoluciones ejemplares de las autoridades competentes y de los órganos judiciales, deben retribuir a la sociedad en general, y la deportiva en particular, por la pérdida del orden.

Como bem ressalta Márcio de Souza Peixoto:

Por conseguinte, é fundamental criar uma consciência não agressiva. Todos os poderes públicos, entidades responsáveis da vida social, associações, educadores, políticos, sociólogos, os meios de comunicações, artistas populares, produtores de cinema e outros atores deveriam participar de uma campanha, em forma de engajamento cívico geral, com idéias que favoreçam e efetivem a não agressividade e estimulem a convivência pacífica. (PEIXOTO, 2011).

Além do aspecto preventivo, há o aspecto punitivo:

Operam sobre os instrumentos integrados de três conjuntos de medidas complementares: medidas de caráter reeducativo, de caráter preventivo e de caráter punitivo. Em outros termos, intervenções articuladas no curto, médio e longo prazos, sistemáticas, duradouras e criativas (não apenas episódicas, para atender a reclamos midiáticos e imediatos), envolvendo todos os agentes diretos e indiretos do setor futebol. (MURAD, 2007).

Portanto, além das bebidas alcoólicas não serem causadoras da violência, há uma série de medidas a serem implantadas pelo Poder Público, Clubes e Dirigentes ao invés de simplesmente proibir o consumo de bebidas nos Estádios.




REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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[1] CHINAGLIA, A. “A violência nos estádios de futebol: sua origem prevenção e repressão”. In: SÃO PAULO (Estado). A violência no esporte. Secretaria de Estado da Justiça e Defesa da Cidadania, São Paulo.

[4] Fonte: Armazém SIDS/REDS
[7] CHINAGLIA, A. “A violência nos estádios de futebol: sua origem prevenção e repressão”. In: SÃO PAULO (Estado). A violência no esporte. Secretaria de Estado da Justiça e Defesa da Cidadania, São Paulo.
[8] SOUZA, Gustavo Lopes Pires de. Tratamento do torcedor: abismo entre o Brasil e os EUA. Disponível em:  http://www.universidadedofutebol.com.br/Colunas/2012/01/3,11696,TRATAMENTO+DO+TORCEDOR+ABISMO+ENTRE+O+BRASIL+E+OS+EUA.aspx. Acesso em: 20 fev.  2012.

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