quarta-feira, 15 de agosto de 2018

CASO PAOLO GUERRERO: MOMENTO DE REPENSAR O DOPING


CASO PAOLO GUERRERO: MOMENTO DE REPENSAR O DOPING

Gustavo Lopes Pires de Souza
Mestre e Doutorando em Direito Desportivo pelo INEFC - Institut Nacional d'Educación Fisica de Catalunya/Universitat de Lleida (Espanha). Cadeira nº 36 da Academia Nacional de Direito Desportivo (ANDD). Presidente do Instituto Mineiro de Direito Desportivo (IMDD).  Presidente do Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol Americano de Minas Gerais;  Coordenador Científico da Especialização em Gestão do Esporte e Direito Desportivo da Faculdade Brasileira de Tributação.


A Seleção peruana que se classificou para uma Copa do Mundo após 36 anos tem como sua principal estrela o atacante do Flamengo Paolo Guerrero.
No entanto, o craque corre sério risco de ficar de fora do Mundial. Isso se deu em razão da presença de benzoilecgonina (principal metabólico da cocaína) proibida em exame antidopagem.

A luta contra a dopagem é imprescindível para o esporte como preceitua a introdução ao Código Mundial Antidopagem: “Os programas antidopagem pretendem proteger o que é intrinsecamente valioso ao esporte. Este valor intrínseco denominado  “Espírito Desportivo” é a essência do olimpismo, é o jogo limpo.”

Entre os valores protegidos estão a saúde do atleta e, principalmente, vedar benefícios artificiais nas competições pelo uso de substancias farmacológicas.

Como bem define a Real Academia Espanhola, dopagem é “acción y efecto de dopar o doparse”, por conseguinte, define dopar como “administración de fármacos o sustancias estimulantes para potenciar artificialmente el rendimiento” (Diccionario de la RAE, 1992; citado por Ramos – Gordillo, 2000).

Ou seja, apesar da preocupação com saúde dos atletas, o grande foco da luta contra a dopagem é assegurar a paridade de condições (armas) nas disputas esportivas.
Em um momento em que o Comitê Olímpico Internacional inicia processo de flexibilização normativa para assegurar a participação dos atletas transexuais na modalidade de seu gênero social, severa suspensão de atleta por utilização de drogas sociais que não trazem benefício desportivo mostra-se extremamente incoerente e desproporcional.

A folha de coca é utilizada largamente nos países andinos da América do Sul como Peru, Bolívia e Chile e as substancias químicas encontradas no chá ou mesmo na cocaína além de não trazerem o efeito tradicional do doping (um jogo sujo para levar vantagem na disputa contra os adversários), trazem desvantagem nos confrontos contra os atletas limpos.

O argumento de que a punição deve ocorrer em razão do mau exemplo também não se mostra coerente e proporcional uma vez que atitudes socialmente mais reprováveis como racismo, homofobia e violência recebem penas muito menores.

A essência da luta contra a dopagem é garantir o jogo limpo e não se preocupar com aspectos sociais e exemplos para a sociedade.

Se a ideia é punir eventuais exemplos ruins e/ou atitudes antidesportivas, que se puna tal como se faz com os atos de violência, a homofobia e o racismo.

Importante destacar que em um caso bastante semelhante,  em 1994, durante as eliminatórias para a Copa do Mundo dos Estados Unidos, o então goleiro da Seleção Brasileira, Zetti foi pego no exame antidopagem após consumir o popular chá de coca antes da partida do Brasil contra a Bolívia em La Paz. Naquela oportunidade, o goleiro foi absolvido.

No caso do atacante peruano Paolo Guerrero, ele teria consumido chá para tratar uma gripe e, após a FIFA suspendê-lo por 6 meses, o Tribunal Arbitral do Esporte aumentou a sua pena para 14 meses, o que o retira da Copa do Mundo da Rússia.

Tamanha a clareza de que não houve utilização de substancias para se beneficiar que há um verdadeiro movimento para que a FIFA permita a participação de Paolo Guerrero no Mundial.

A Federação Internacional dos Jogadores Profissionais de Futebol (FIFPro) e os capitães dos adversários do Peru na Copa (França, Austrália e Dinamarca) uniram-se e encaminharam ofício à entidade máxima do futebol para que ela permita que o atacante dispute o torneio.

Chegou o momento de se tratar as drogas sociais não como uma infração ao jogo limpo, mas, como um fenômeno social que prejudica o rendimento do atleta e que deve ser alvo de campanhas educativas e pedagógicas e não de punições extremamente desproporcionais e que neste momento podem tirar da Copa do Mundo o maior jogador da história de um país que não disputava um Mundial há mais de três décadas.

Em outras oportunidades, ainda que o Código Mundial Antidopagem dê poucas brechas para absolvição, aspectos individuais dos atletas foram levados em consideração para abrandamento da pena.

O nadador Cesar Cielo, por exemplo, flagrado por uso de furosemida (que mascara a presença de outras substâncias e interfere no jogo limpo), foi punido pelo mesmo Tribunal Arbitral do Esporte com advertência e pode disputar o Mundial de natação de Xangai. Naquela oportunidade a defesa do atleta alegou que a substância chegou ao organismo do atleta sem sua culpa, eis que fora fruto de contaminação no laboratório de um suplemento consumido pelo nadador.

No que diz respeito a Paolo Guerrero, além do consumo ter se dado sem qualquer culpa, tal como ocorreu com Cielo, as substancias encontradas na Cocaína não possuem o condão de ferir o jogo limpo e trazer benefícios desportivos.

Portanto, chegou a hora de se repensar o doping e tratar as drogas sociais que não trazem benefício desportivo com a proporcionalidade necessária a fim de que injustiças como a que tem-se aplicado ao atacante peruano não mais ocorram. E, por mais que o Código Mundial Antidopagem traga o mesmo rigor para quem consuma drogas sociais, há uma série de princípios norteadores da aplicação da “Lex Sportiva” que podem ser levados em consideração.

---- Publicado originalmente na Revista da OAB/RJ ----



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