CASO PAOLO GUERRERO: MOMENTO DE REPENSAR O DOPING
Gustavo
Lopes Pires de Souza
Mestre e
Doutorando em Direito Desportivo pelo INEFC - Institut Nacional d'Educación
Fisica de Catalunya/Universitat de Lleida (Espanha). Cadeira nº 36 da Academia
Nacional de Direito Desportivo (ANDD). Presidente do Instituto Mineiro de
Direito Desportivo (IMDD). Presidente do
Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol Americano de Minas Gerais; Coordenador Científico da Especialização em
Gestão do Esporte e Direito Desportivo da Faculdade Brasileira de Tributação.
A Seleção peruana que se
classificou para uma Copa do Mundo após 36 anos tem como sua principal estrela
o atacante do Flamengo Paolo Guerrero.
No entanto, o craque corre sério
risco de ficar de fora do Mundial. Isso se deu em razão da presença de
benzoilecgonina (principal metabólico da cocaína) proibida em exame
antidopagem.
A luta contra a dopagem é imprescindível para
o esporte como preceitua a introdução ao Código Mundial Antidopagem: “Os
programas antidopagem pretendem proteger o que é intrinsecamente valioso ao
esporte. Este valor intrínseco denominado
“Espírito Desportivo” é a essência do olimpismo, é o jogo limpo.”
Entre os valores protegidos estão
a saúde do atleta e, principalmente, vedar benefícios artificiais nas
competições pelo uso de substancias farmacológicas.
Como bem define a Real Academia
Espanhola, dopagem é “acción y efecto de dopar o doparse”, por conseguinte,
define dopar como “administración de fármacos o sustancias estimulantes para
potenciar artificialmente el rendimiento” (Diccionario de la RAE, 1992; citado
por Ramos – Gordillo, 2000).
Ou seja, apesar da preocupação
com saúde dos atletas, o grande foco da luta contra a dopagem é assegurar a
paridade de condições (armas) nas disputas esportivas.
Em um momento em que o Comitê
Olímpico Internacional inicia processo de flexibilização normativa para
assegurar a participação dos atletas transexuais na modalidade de seu gênero
social, severa suspensão de atleta por utilização de drogas sociais que não
trazem benefício desportivo mostra-se extremamente incoerente e
desproporcional.
A folha de coca é utilizada
largamente nos países andinos da América do Sul como Peru, Bolívia e Chile e as
substancias químicas encontradas no chá ou mesmo na cocaína além de não trazerem
o efeito tradicional do doping (um jogo sujo para levar vantagem na disputa
contra os adversários), trazem desvantagem nos confrontos contra os atletas
limpos.
O argumento de que a punição deve
ocorrer em razão do mau exemplo também não se mostra coerente e proporcional
uma vez que atitudes socialmente mais reprováveis como racismo, homofobia e
violência recebem penas muito menores.
A essência da luta contra a
dopagem é garantir o jogo limpo e não se preocupar com aspectos sociais e
exemplos para a sociedade.
Se a ideia é punir eventuais
exemplos ruins e/ou atitudes antidesportivas, que se puna tal como se faz com
os atos de violência, a homofobia e o racismo.
Importante destacar que em um
caso bastante semelhante, em 1994,
durante as eliminatórias para a Copa do Mundo dos Estados Unidos, o então
goleiro da Seleção Brasileira, Zetti foi pego no exame antidopagem após
consumir o popular chá de coca antes da partida do Brasil contra a Bolívia em
La Paz. Naquela oportunidade, o goleiro foi absolvido.
No caso do atacante peruano Paolo
Guerrero, ele teria consumido chá para tratar uma gripe e, após a FIFA
suspendê-lo por 6 meses, o Tribunal Arbitral do Esporte aumentou a sua pena
para 14 meses, o que o retira da Copa do Mundo da Rússia.
Tamanha a clareza de que não
houve utilização de substancias para se beneficiar que há um verdadeiro
movimento para que a FIFA permita a participação de Paolo Guerrero no Mundial.
A Federação Internacional dos
Jogadores Profissionais de Futebol (FIFPro) e os capitães dos adversários do
Peru na Copa (França, Austrália e Dinamarca) uniram-se e encaminharam ofício à
entidade máxima do futebol para que ela permita que o atacante dispute o
torneio.
Chegou o momento de se tratar as
drogas sociais não como uma infração ao jogo limpo, mas, como um fenômeno
social que prejudica o rendimento do atleta e que deve ser alvo de campanhas
educativas e pedagógicas e não de punições extremamente desproporcionais e que
neste momento podem tirar da Copa do Mundo o maior jogador da história de um
país que não disputava um Mundial há mais de três décadas.
Em outras oportunidades, ainda
que o Código Mundial Antidopagem dê poucas brechas para absolvição, aspectos
individuais dos atletas foram levados em consideração para abrandamento da
pena.
O nadador Cesar Cielo, por
exemplo, flagrado por uso de furosemida (que mascara a presença de outras
substâncias e interfere no jogo limpo), foi punido pelo mesmo Tribunal Arbitral
do Esporte com advertência e pode disputar o Mundial de natação de Xangai.
Naquela oportunidade a defesa do atleta alegou que a substância chegou ao
organismo do atleta sem sua culpa, eis que fora fruto de contaminação no
laboratório de um suplemento consumido pelo nadador.
No que diz respeito a Paolo
Guerrero, além do consumo ter se dado sem qualquer culpa, tal como ocorreu com
Cielo, as substancias encontradas na Cocaína não possuem o condão de ferir o
jogo limpo e trazer benefícios desportivos.
Portanto, chegou a hora de se
repensar o doping e tratar as drogas sociais que não trazem benefício
desportivo com a proporcionalidade necessária a fim de que injustiças como a
que tem-se aplicado ao atacante peruano não mais ocorram. E, por mais que o
Código Mundial Antidopagem traga o mesmo rigor para quem consuma drogas
sociais, há uma série de princípios norteadores da aplicação da “Lex Sportiva”
que podem ser levados em consideração.
---- Publicado originalmente na Revista da OAB/RJ ----
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