quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Cadastro de torcedores é a solução?

CADASTRO DE TORCEDORES: SOLUÇÃO PARA VIOLÊNCIA NOS ESTÁDIOS?

Gustavo Lopes Pires de Souza*
Mestrando em Direito Desportivo pela Universidade de Lérida - Espanha
Membro dos Institutos Brasileiro e Mineiro de Direito Desportivo
Coordenador do Curso de Capacitação em Direito Desportivo da SATeducacional.
Autor do livro: “Estatuto do Torcedor: A Evolução dos Direitos do Consumidor do Esporte” (Lei 10.671/2003)


A segurança corresponde a um direito individual e social do cidadão brasileiro previsto nos artigos 5º e 6º da Constituição Federal. Sendo assim, de fato, é um dever de todos assegurá-la, impedindo a violência.

A violência no esporte é uma das faces da ausência de segurança cotidiana na sociedade e justamente na atividade esportiva onde deveria haver sua sublimação. Famílias por diversas vezes evitam os estádios, pois os vêem mais como espaço violento, que palco de acontecimentos esportivos.

Neste esteio, a união de todos os envolvidos com a atividade esportiva é essencial para que o desporto brasileiro não faça mais vítimas como o jovem Alex Fornan de Santana, de 29 anos, torcedor do Palmeiras, morto em 21 de fevereiro de 2010 após partida entre Palmeiras e São Paulo válida pelo campeonato paulista, em confronto de torcidas. Este caso recente é apenas um dentre centenas de outros ocorridos pelo mundo.

Muitas medidas são aventadas, propostas e estudadas. O Estatuto do Torcedor, após as alterações introduzidas pela Lei 12.299/2010, passou a exigir o cadastro de torcedores por parte das torcidas organizadas e, ainda, criminalizou uma série de atos dos torcedores. Há quem defenda que o cadastro de torcedores não deve se restringir às “Organizadas”, mas que deve se estender à totalidade de torcedores.

É imprescindível destacar que a violência nos estádios não é característica exclusiva dos desportos brasileiros, cujo nascedouro é atribuído às torcidas organizadas.

Na América Latina, especialmente na Argentina, os torcedores violentos são conhecidos como Barra Brava que correspondem a um tipo de movimento de torcedores que incentivam suas equipes com cantos intermináveis e fogos de artifício que, ao contrário das torcidas organizadas não possuem uniformes próprios, estrutura hierárquica e muitas vezes nem mesmo associados.

Na Europa, os torcedores violentos são conhecidos como hooligans, em especial a partir da década de 1960 no Reino Unido com o hooliganismo no futebol.

A maior demonstração de violência dos hooligans foi a tragédia do Estádio do Heysel, na Bélgica, durante a final da Taça dos Campeões Europeus de 1985, entre o Liverpool da Inglaterra e a Juventus da Itália. Esse episódio resultou em 39 mortos e um elevado número de feridos.

Os hooligans ingleses foram responsabilizados pelo incidente, o que resultou na proibição das equipes britânicas participarem em competições européias por um período de cinco anos.

A escalada de violência nos estádios do Reino Unido foi tamanha que começou a afetar não apenas os residentes locais, mas também a ter conseqüências para a Europa continental.

Por este motivo, o hooliganismo arranhou a imagem internacional do Reino Unido, que passou a ser visto por todos como um país de violentos arruaceiros, cujo ápice se deu com a tragédia de Heysel.

Insuflada por esse acontecimento, a então primeira-ministra britânica Margareth Thatcher entendeu que o hooliganismo havia se tornado problema crônico e que alguma providência deveria ser tomada.

Entendendo que o aumento do controle estatal minimizaria a violência, a "Dama de Ferro" sugeriu a criação da carteira de identidade dos torcedores de futebol (National Membership Scheme) no Football Spectators Act (FSA), em 1989.

Alguns meses após a divulgação do FSA, ocorreu a maior tragédia do futebol britânico. Na partida válida pelas semifinais da FA Cup entre Liverpool e Nottingham Forest, no estádio de Hillsborough, do Sheffield Wednesday, 96 torcedores do Liverpool morreram, massacrados contra as grades que separavam a arquibancada do campo.

A fim de apurar os motivos da tragédia, o governo britânico iniciou investigação cuja conclusão foi de que o problema não seria os torcedores, mas as estruturas que os atendiam. Muito pior que os hooligans, era a situação dos estádios britânicos naquela época. Não seria possível exigir que as pessoas se comportassem de maneira civilizada em um ambiente que não oferecia as menores condições de higiene e segurança.

Para evitar que novas tragédias se repetissem a investigação realizada, em sua conclusão, estabeleceu uma série de recomendações como, por exemplo a obrigação da colocação de assentos para todos os lugares do estádio, a derrubada das barreiras entre a torcida e o gramado e a diminuição da capacidade dos estádios. Dentre as recomendações estava o cancelamento do projeto da carteira de identificação dos torcedores, eis que havia o receio de que o cadastramento aumentasse o problema da violência, e não o contrário.

Além dos questionamentos sobre a real capacidade dos clubes conseguirem colocar em prática um sistema confiável de cadastro, controle e seleção de torcedores e, ainda, sobre a confiança na tecnologia que seria utilizada, o argumento se baseava na idéia de que a carteira de identidade para torcedores não seria uma ação focada na segurança, mas na violência e as tragédias nos estádios não seriam questão de violência, mas de segurança. Inclusive, a polícia inglesa, que poderia ser beneficiada com a carteira, rejeitou o projeto, que, acabou sendo abandonado.

Em razão das novas exigências, os clubes ingleses se organizaram e na temporada 1992/1993 criaram a “Premier League” que atualmente é o campeonato de futebol mais valioso do mundo.

Além do índice técnico, um dos requisitos para que um Clube inglês dispute a “Premier League” é a existência de estádio com boa infra-estrutura aos torcedores.

É fato que no Brasil o problema da violência é grande, mas muito pior é o problema da insegurança. Muitas tragédias como o buraco nas arquibancadas da Fonte Nova, só aconteceu porque o estádio estava em condições ruins, caso em que a carteirinha de identificação não teria salvado as vítimas, mas melhor fiscalização nas reais condições do espaço e o fornecimento de uma estrutura apropriada para o público, certamente teria evitado a tragédia.

Destarte, apesar dos avanços conquistados, especialmente com o advento do Estatuto do Torcedor, o consumidor dos eventos esportivos no Brasil ainda não é respeitado.

Estádios com infra-estrutura precária, venda de ingressos e acesso a estádios tumultuados são alguns dos problemas enfrentados rotineiramente pelos torcedores brasileiros.

O fato é que as autoridade e as entidades organizadoras de eventos esportivos ao invés de aumentar a exigência dos torcedores, deve passar a tratá-los com respeito atentando-se ao estabelecido no Estatuto do Torcedor e nos direitos básicos como segurança e organização dos eventos esportivos.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS



Um comentário:

  1. Vejo este entendimento como a solução para os problemas da violência em nosso país. A partir de uma melhor infra-estrutura, de um cuidado maior aos torcedores, é que iremos vislumbrar a paz e a segurança nos estádios. Patrocínios aumentarão, clubes irão se valorizar e o nosso campeonato será também mais atrativo.

    Se cadastrarmos os torcedores, automaticamente os taxaremos de arruaceiros, violentos. Creio que não deva ser esta, a prática dos que trabalham com o futebol. Proporcionando aos torcedores um maior conforto, voce de imediato fará com que eles preservem seu estadio, criando uma identidade com seu patrimonio. Infelizmente, iremos ver alguns baderneiros, entretanto com políticas de violência zero, como a obrigatoriedade de se apresentar as delegacias nos dias e horarios dos jogos, o que já ocorre em muitos locais de nosso país, vide Porto Alegre, se sabe que haverá uma redução da violência pelas consequencias negativas que esta irá gerar, qual seja, a pior para um torcedor que é a de não ver o seu time do coração jogar.

    Ps.: As barras bravas são altamente hierarquizadas, muito mais até que nossas torcidas organizadas. A influência é a mesma, senão maior para com a diretoria dos clubes.

    Veja este documentário acerca da barra brava do Rosário Central. Los guerreros. São 5 partes.
    http://www.youtube.com/watch?v=zvYZW8Q8I2U&feature=related

    Grande abraço,

    FELIPE TOBAR
    www.esportejuridico.blogspot.com

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