Ninguém quer a volta da ditadura
Vinícius
Leonardo Loureiro Morrone
Doutorando
em Economia das Organizações – FEA/USP
Especialista
em Direito Desportivo
Nos últimos três anos temos visto muitas manifestações
populares espalhadas pelo Brasil. Em várias dessas manifestações, cartazes e
frases pedindo intervenção militar ou a reedição do AI-5 estão presentes. E
isso é um prato cheio para que analistas chamem as manifestações de
antidemocráticas e inconstitucionais. Mas não é bem por aí.
Quando vamos analisar as manifestações, não podemos nos
esquecer de onde vivemos. O Brasil é um país que tem apenas 1 em cada 10
habitantes plenamente alfabetizados, e isso é refletido na capacidade das
pessoas de articularem e transmitirem suas mensagens. Nesse caso, é preciso que
se busque a essência do que querem esses brasileiros, para não acreditar em um
inimigo inexistente.
Aqueles que clamam pela intervenção militar certamente
não querem a volta de um regime de exceção, mas querem de volta algo que
vivenciaram durante aquele período. E isso é facilmente perceptível quando se
conversa com qualquer um desses manifestantes. Muitos apontam o respeito às
leis, a disciplina, a educação e o emprego como fatores que desejariam ver de
volta ao Brasil.
Perguntados sobre os motivos que os levaram a pedir uma
intervenção militar, nenhum deles apontou para um efetivo desejo de controle do
país por parte das forças armadas. Em geral, essas manifestações deixam
evidente a descrença da população com as instituições e com os rumos que a
democracia tem tomado no Brasil. Na cabeça dessas pessoas, a única memória que
existe é o regime militar, que surge como alternativa.
No entanto, em poucos minutos de conversa todos concordam
que há outras alternativas. Nenhuma delas, no entanto, passa pelas atuais
instituições. A Constituição é vista como um problema para a grande maioria. E
manifestações dos poderes criam uma sensação ainda maior de necessidade de
intervenção militar nessas pessoas.
Membros do Supremo Tribunal Federal, a corte constitucional
brasileira, mais de uma vez deixaram evidente sua discordância com a
possibilidade de emendar a Constituição em pontos críticos. Mais que isso,
entendem que não é possível a convocação de uma nova Assembleia Constituinte já
que a Carta Magna prevê que somente poderá ser alterada por meio de emenda
constitucional aprovada no Congresso. Para eles, a Constituição só poderia ser
alterada integralmente no caso de um golpe ou uma revolução.
O resultado de posicionamentos como esse é mais do que
óbvio em um país com as características educacionais e a memória política do
Brasil: existem problemas que são criados pela Constituição, se ela só pode ser
alterada em caso de golpe ou revolução, o caminho é defender o golpe.
Mas isso reflete apenas mais um dos grandes problemas de
nossa estrutura institucional e política: o apego ao poder.
Os representantes do povo precisam entender que só ocupam
seus cargos porque esse direito lhes foi outorgado pelo povo. Estão ali
enquanto representantes do povo, e assim deveriam agir.
Não podemos esquecer que é a própria Constituição que diz
logo em seu artigo 1º que “Todo o poder emana do povo”. Impossível ser mais
clara.
Também em seu texto está previsto que a iniciativa
popular poderá enviar ao Congresso projetos de lei, desde que conte com o apoio
de 1% do eleitorado nacional. A norma não diz qual é a limitação desse poder
popular, e a interpretação do poder popular nunca pode ser restritiva, uma vez
que vivemos em um regime democrático.
Não podemos nos esquecer do contexto histórico no qual a
Constituição foi criada. Imediatamente após um período militar, seu texto traz
ainda muitas marcas dos traumas vividos em tal momento. E em um mundo cada vez
mais dinâmico, esse texto tem se mostrado cada vez mais desatualizado, não
atendendo aos desejos do povo.
Então, qual é o caminho que o povo tem para alterar a
Constituição? Talvez essa seja a pergunta de 1 milhão de dólares. Não existe
uma resposta clara para essa pergunta, uma vez que essa possibilidade não está
prevista em nosso ordenamento jurídico. Mas pelas próprias definições de
democracia e de poder constitucional, não há dúvidas de que o povo pode alterar
a Constituição.
Há projeto no Congresso regulamentando a iniciativa
popular para convocação de Plebiscito, mas ainda mantendo o poder de definição
sobre sua realização com o Congresso. Ações como essas apenas reforçam a ideia
de que não há saída democrática para aquilo que muitos consideram um problema.
Mas sempre há um caminho.
Caso o povo apresente ao Congresso Nacional um pedido de
convocação de Plebiscito para a convocação de nova Assembleia Constituinte, sua
vontade estará evidenciada. Para alteração de normas constitucionais existe a
previsão de necessidade de aprovação por parte de 2/3 dos representantes do povo,
o que nos leva a entender que também seria necessária a aprovação de 2/3 dos
votos válidos para a convocação de nova Constituinte, cujo texto deveria ser
submetido diretamente ao povo para que fosse referendado, desde vez por maioria
simples, após sua elaboração.
Tal saída, democrática, certamente seria rejeitada pela
estrutura pública atual, uma vez que tira de suas mãos um poder que imaginam
ter, mas que em realidade é do povo. E tão logo o povo entenda o poder que tem,
não precisará mais pedir por intervenção militar.
O risco é sempre o povo ser representado pela minoria que não representa ninguém. É tudo aparelhado em todos os sentidos. Um presidente com 60 milhões de votos engessado por instituições democráticas que na prática são organizações criminosas. Se fizermos uma nova constituição, será assinada em sangue. Pois não há outra saída que não começar a limpar na porrada estes podres poderes.
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