domingo, 21 de março de 2010

APA Adeptos: A luta por direitos dos torcedores portugueses

Desde o lançamento do livro, tenho recebido extremo carinho dos colegas portugueses da Associação Portuguesa de Adeptos, por meio de seu Presidente, o Sr. Costa Pereira.

Infelizmente, os torcedores portugueses (conhecidos no país como adeptos) não possuem legislação que os proteja e, ainda, sofrem alguns dos desrespeitos semelhantes aos nossos.
Assim, tive a imensa satisfação de contribuir um pouquinho com essa luta, por meio do Parecer que agora compartilho:

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CONSULTA: Estabelecer os Direitos dos Adeptos com o fito de ser elaborada Petição à Assembléia da República, nos termos do art. 52, da Constituição da República Portuguesa.

Consulente: Associação Portuguesa de Adeptos

EMENTA – Direitos do Adepto Português, preço dos ingressos, segurança, transparência, acessibilidade, infra-estrutura nos estádios, respeito, representatividade, necessidade de lei específica a ser pleiteada por meio de Petição encaminhada à Assembléia Portuguesa.

INTRODUÇÃO

O futebol movimenta, anualmente, bilhões de dólares. Além disso, milhões de empregos são criados direta e indiretamente e a paixão pelo esporte transforma cada um dos habitantes do planeta Terra em adepto e, por conseqüência, em um consumidor em potencial.

Como todo consumidor, o adepto é um sujeito de direitos e deve tê-los respeitados, sobretudo levando-se em consideração o fato de que o futebol deve sua magnitude global justamente à imensa paixão despertada nas multidões.

Por esta razão, cada vez mais, surge a necessidade de legislações específicas a estes consumidores do esporte, bem como a adequação dos Clubes aos anseios de seu Adepto.

PREÇO DOS INGRESSOS

No domínio econômico, o mercado dita os valores de cada produto e de cada negociação.

Como todo produto, os eventos esportivos, de fato, possuem um preço, um valor.

No entanto, o evento esportivo não pode ser tratado como um produto comum, especialmente quando se refere ao futebol.

Ora, o futebol é parte da cultura popular e a Constituição Portuguesa, em seu artigo 79 assegura a todos o acesso à cultura e ao esporte.

Ademais, este mesmo artigo prevê a incumbência de se promover, estimular, orientar e apoiar a prática e a difusão do desporto.

Sendo assim, dada esta especialidade, o preço dos ingressos para as partidas de futebol não pode ficar a mercê do mercado, mas deve se ater à sua função social.

A fim de atingir a referida função social, a fixação dos preços deve sofrer controle por parte do Estado. Além disso, deve ser direito do adepto saber especificadamente a composição de custos que fixa o valor do ingresso, tal como ocorre com outras atividades específicas, cuja fixação dos preços são reguladas por Portarias.

Finalmente, acerca dos ingressos, imprescindível destacar que devem ser numerados e que, na organização da sua emissão e venda, deve ser adotado sistema de segurança contra falsificações, fraudes e outras práticas que contribuam para a evasão da receita decorrente do evento esportivo.

HORÁRIOS DAS PARTIDAS

Por ser um negócio rentável, anualmente o número de partidas e competições é ampliado. Ato contínuo, muitos jogos são realizados em horários que inviabilizam a grande presença de adeptos.

Dessa feita, os horários das partidas devem se ater à alguns requisitos.

Durante a semana, partidas que se iniciam após as 20 horas terminarão em horário que impede o comparecimento do adepto que deve acordar cedo para trabalhar.

Partidas realizadas no verão, em horários vespertinos, ou no inverno em horários noturnos, além de exigirem maior esforço dos atletas e queda na qualidade do espetáculo, certamente retiram adeptos que não queiram suportar temperaturas elevadas ou baixas em demasia.

No Brasil, a Justiça do Trabalho, este ano, em determinadas regiões, proibiu a realização de jogos de futebol entre 10 e 17 horas, em razão das elevadas temperaturas.

ACESSIBILIDADE E SEGURANÇA

O adepto tem direito à segurança nos locais onde são realizados os eventos esportivos antes, durante e após a realização das partidas.

Deve ser assegurada a acessibilidade ao adepto portador de deficiência ou com mobilidade reduzida.

A Federação e o Clube mandante da partida devem solicitar ao Poder Público competente a presença de agentes públicos de segurança, devidamente identificados, responsáveis pela segurança dos adeptos dentro e fora dos estádios e demais locais de realização de eventos esportivos e informar imediatamente após a decisão acerca da realização da partida, dentre outros, aos órgãos públicos de segurança, transporte e higiene, os dados necessários à segurança da partida.

Ademais, estas entidades devem colocar à disposição do adepto, nos estádios, orientadores e serviço de atendimento para que aquele encaminhe suas reclamações no momento da partida, em local amplamente divulgado e de fácil acesso.

Eventuais reclamações, sempre que possível, deverão ser solucionadas imediatamente.

Quem descumprir as referidas disposições deve ser punido com perda de mando de campo.

Ainda, com relação à segurança, o Detentor do mando de campo deverá contratar seguro de acidentes pessoais, tendo como beneficiário o adepto portador de ingresso, válido a partir do momento em que ingressar no estádio e disponibilizar médicos, enfermeiros e ambulâncias, sempre que houver mais de dez mil adeptos presentes.

INFRAESTRUTURA DOS ESTÁDIOS

Os estádios devem ter infra-estrura que permita a todos os adeptos assistir às partidas em assentos individuais e afixados à estrutura da arquibancada, com largura mínima de 47 cm e encosto de pelo menos 30 cm de altura, conforme estabelecem as “Recomendações Técnicas e Requisitos para Estádios de Futebol” elaborado pela FIFA e utilizado como parâmetro para os estádios das Copas de 2006, 2010 e 2014.

Além disso, para facilitar a circulação dos adeptos deve haver a distância de 85 cm entre os encostos e todos os adeptos devem ter visibilidade perfeita do campo, ou seja, os “pontos-cegos” devem ser proibidos.

Os estádios deverão manter central técnica de informações, com infra-estrutura suficiente para viabilizar o monitoramento por imagem do público presente.

Os ingressos devem ser vendidos em pelo menos cinco postos para cada mil adeptos e o acesso aos estádios deve ser equipado com rampas, corrimãos, bem como todos os meios hábeis à permitir o conforto dos adeptos.

TRANSPARÊNCIA E INFORMAÇÃO

Devem ser asseguradas ao adepto a publicidade e transparência na organização. A Federação deverá publicar na internet, em sítio dedicado exclusivamente à competição, bem como afixar ostensivamente em local visível, em caracteres facilmente legíveis, do lado externo de todas as entradas do local onde se realiza o evento esportivo: a íntegra do regulamento da competição; as tabelas da competição, contendo as partidas que serão realizadas, com especificação de sua data, local e horário; os borderôs completos das partidas e a escalação dos árbitros imediatamente após sua definição.

A Federação deverá designar um Ouvidor (ombdusman) para a Competição, fornecendo-lhe os meios de comunicação necessários ao amplo acesso dos adeptos, com o dever de recolher sugestões, propostas e reclamações que receber dos adeptos, examiná-las e propor à respectiva entidade medidas necessárias ao aperfeiçoamento da competição e ao benefício do adepto.

O Adepto terá o direito de que o regulamento, as tabelas da competição e o nome do Ouvidor da Competição sejam divulgados com antecedência.

È direito do adepto a divulgação, durante a realização da partida, da renda obtida pelo pagamento de ingressos e do número de espectadores pagantes e não-pagantes, por intermédio dos serviços de som e imagem instalados no estádio em que se realiza a partida, pela entidade responsável pela organização da competição.

A Federação terá o dever de conferir publicidade à súmula e aos relatórios da partida no sítio da competição.

INCENTIVO AO COMPARECIMENTO AOS ESTÁDIOS

Considerando que o futebol faz parte da cultura do povo português e que o art. 79 da Constituição Portuguesa confere a todos o direito de acesso ao esporte e a cultura, o Estado deve incentivar o comparecimento dos adeptos aos estádios.

No Brasil, uma medida bastante utilizada pelos Governos é incentivar os cidadãos a exigir notas fiscais para evitar a evasão, pois, as referidas notas podem ser trocadas por ingressos.

CELERIDADE E TRANSPARÊNCIA DA JUSTIÇA DESPORTIVA

A Justiça Desportiva deve adotar sistemas céleres de julgamento, oportunizando maior credibilidade e efetividade.

Para tanto, torna-se indispensável, ainda, que a Justiça Desportiva seja transparente e acessível.

Criação de sítio especifico na rede de computadores e a transmissão de julgamentos ao vivo são meios hábeis a tal fim.

Outro fator a ser analisado é a dissociação entre a Justiça Desportiva e a Federação.

Ademais, a revisão dos procedimentos realizados na Justiça Desportiva, ouvindo-se os adeptos, por meio de sua Associação, poderia lhe trazer celeridade.

No Brasil, a Constituição Brasileira, em seu artigo 217, traz a Justiça Desportiva como órgão autônomo, o que, muitas vezes traz como conseqüência julgamentos independentes.

DIREITO A SUBSIDIOS E A REPRESENTATIVIDADE DA ASSOCIAÇÃO

O Artigo Quarto do Estatuto da Federação Portuguesa de Futebol prevê, como sócios ordinários, Associações das mais diversas classes ligadas ao futebol, tais como as de árbitros, médicos, massagistas, dentre outros.

Destarte, o adepto, grande protagonista do evento não possui representatividade. Como conseqüência, os adeptos não são ouvidos nas tomadas de decisões e, por conseqüência, não têm seus direitos estabelecidos e respeitados.

Assim, até mesmo em atenção ao artigo 79 da Constituição Portuguesa, os adeptos devem ser representados por meio de sua Associação exercendo, assim, todos os direitos inerentes, como voto e envio de delegados aos jogos.

Devem possuir os mesmos direitos dos demais agentes, estando presentes em sorteios, ter acesso a relatórios, com a faculdade oficial de redigir os próprios relatórios, conforme estabelece o artigo nono do Estatuto da Federação Portuguesa de Futebol.

Ou seja, a Associação de Adeptos deve servir de ligação entre os organizadores do evento esportivo e seus consumidores, contribuindo para a credibilidade do futebol.

Finalmente, em consonância com sua função constitucional de promover, estimular, orientar e apoiar a prática e a difusão da cultura física e do desporto, e prevenir a violência no desporto, a Associação deve fazer “jus” a subsídios estatais.

CONCLUSÃO

Há muito o que ser feito, especialmente no que diz respeito à infra-estrutura e à maior representatividade do adepto. Por isso, espera-se que os competidores, os organizadores e o Poder Público valorizem o motivo maior da existência do deporto, ou seja, o adepto.

Assim, considerando as transformações ocorridas no futebol, tornando a relação entre clube e adepto para além da passionalidade e por diversos problemas de ordem organizacional e operacional (calendário com muitos jogos e competições, polêmicas em relação à transparência na organização e na promoção do espetáculo esportivo, incidentes violentos nos estádios e em seus arredores; além de infra-estrutura deficitária para atender o adepto), que afasta grande parte do público que freqüenta os estádios e por consequência gerando prejuízo a clubes e federações, deve ser elaborada Lei de Proteção ao Adepto Português.

Para tanto, sugere-se que seja redigida Petição à Assembléia Portuguesa, nos moldes do artigo 52, da Constituição Portuguesa com o intuito de requisitar a elaboração da referida Lei para garantir a representatividade dos adeptos por meio de Associação assegurando direitos aos adeptos, agora considerados consumidores, e instituir deveres, às agremiações esportivas, à Federação Portuguesa e ao Poder Público, responsáveis pela garantia da segurança do adepto, pela transparência do evento realizado e pela punição de responsáveis envolvidos em qualquer tipo de manifestação que deprecie ou prejudique o espetáculo esportivo.

É o que nos parece, salvo melhor juízo.

Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, 15 de março de 2010

Gustavo Lopes Pires de Souza*
*Autor do livro: “Estatuto do Adepto: A Evolução dos Direitos do Consumidor do Esporte” (Lei 10.671/2003), licenciado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Pós Graduado em Direito Civil e Processual Civil pela Unipac, Membro dos Institutos Mineiro e Brasileiro de Direito Desportivo, agraciado com a medalha “ Dom Serafim Fernandes de Araújo” pela eficiência na atuação jurídica. Jurista, Articulista e professor no MEGA CONCURSOS, FAMINAS e Arnaldo Jansen.

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