Blog do Benê Lima: Gustavo Lopes Pires de Souza, advogado e autor do ...: "Especialista na esfera esportiva comenta sobre a atualização da lei do Estatuto do Torcedor Bruno Camarão Na última semana, o presidente da..."
Na última semana, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, sancionou o projeto de lei que modifica o Estatuto do Torcedor e criminaliza a violência nos estádios. Entre as alterações, passou a ser proibida a venda de ingressos por cambistas, com a aplicação de pena de reclusão de um a dois anos para o infrator, além da abertura de possibilidade de enquadramento, em uma pena de dois a quatro anos de reclusão, a quem fornecer, desviar ou facilitar a distribuição de ingressos com preço superior ao estampado no bilhete. Caso o envolvido com o delito for um servidor público, dirigente ou funcionário de entidade desportiva, a pena poderá ser aumentada em 1/3.
A proposta ainda reconhece as torcidas organizadas, mas as responsabiliza pela atuação de seus filiados. Estas agremiações terão de cadastrar todos os seus membros e passam a responder civilmente, de forma objetiva e solidária, pelos danos causados por qualquer um de seus associados no local do evento esportivo, em suas imediações e no trajeto. Além disso, o aficionado que praticar atos de violência e vandalismo em um raio de até 5 km dos estádios, ou invadir o campo, pode ser punido com pagamento de multa e prisão.
Já os árbitros também podem ser punidos, em caso de interferência para mudar o resultado do jogo. Aí, a pena prevista é de reclusão de dois a seis anos. E uma questão é levantada nesse processo: o que significarão em curto, médio e longo prazos essas atualizações? O advogado Gustavo Lopes Pires de Souza, autor do livro “Estatuto do Torcedor: A Evolução dos Direitos do Consumidor do Esporte”, tem uma avaliação clara.
“Em um primeiro momento, vejo com bastante desconfiança pelo fato de se estar alterando uma legislação que ainda não é aplicada em sua plenitude. Por outro lado, entendo como positiva a sensibilidade do Poder Legislativo em conferir uma célere resposta aos fatos abomináveis ocorridos em Curitiba na última rodada do Campeonato Brasileiro de futebol de 2009”, afirmou, nesta entrevista concedida à Universidade do Futebol.
O membro dos Institutos Mineiro e Brasileiro de Direito Desportivo e Coordenador do curso de Capacitação em Direito Desportivo da Sateducacional cita o ocorrido no estádio Couto Pereira, de propriedade do Coritiba. Após o jogo contra o Fluminense, que resultou no rebaixamento da equipe coxa-branca à Série B do Nacional, torcedores locais invadiram o campo de jogo, tentaram agredir o trio de arbitragem e se envolveram em embate com policiais militares.
Com a alteração sancionada por Lula, por exemplo, os estádios do país também deverão se adequar às novas normas. Os locais com capacidade para 10 mil torcedores terão de ter uma central técnica de informações, com monitoramento nas catracas de acesso e da torcida. Antes, essa exigência aplicava-se a estádios com no mínimo 20 mil torcedores.
“A criminalização tem como objetivo estimular um ambiente mais pacífico”, argumentou o ministro do Esporte, Orlando Silva Jr.
Gustavo Lopes indica que a segurança nos estádios é uma das exigências da Fifa para a Copa do Mundo, cuja próxima edição será organizada pelo nosso país. Neste sentido, ele entende que as alterações são extremamente oportunas e podem alterar definitivamente o paradigma do modo de torcer do brasileiro.
“Quando os clubes perceberem que o respeito ao torcedor corresponde a um investimento e que trará resultado financeiro e esportivo, serão criados Serviços de Atendimento ao Torcedor e o esporte brasileiro colherá frondosos frutos”, indicou ainda, citando o modelo de gestão do Internacional como uma das principais referências. O desempenho dentro das quatro linhas, com a recente chegada à final da Copa Libertadores da América, justifica-se.
Livro nasceu de uma experiência negativa vivida por Gustavo durante duelo entre Brasil e Argentina, em Belo Horizonte
Universidade do Futebol - Você indica que a produção de sua obra não teve motivação teórica, mas sim nasceu de um caso concreto vivido por você, como freqüentador de estádios. Poderia comentar, por gentileza?
Gustavo Lopes - A verdade é que a maioria das obras jurídicas parte de uma premissa teórica para após buscar aplicação prática. No caso do meu livro, o caminho foi inverso. Em 2004, Eliminatórias Sul-Americanas para a Copa do Mundo da Alemanha, Brasil e Argentina se enfrentaram no Mineirão e eu fui um dos milhares de torcedores que, após horas na fila, não conseguiu adquirir ingresso.
Percebi que a perda de tempo e o insucesso na compra do bilhete se deram em virtude da falta de organização. Ademais, a venda não foi realizada em cinco pontos, como manda o Estatuto, além das informações sobre a venda de ingressos não terem sido claras.
Assim, propus Ação no Juizado das Relações de Consumo de Belo Horizonte, onde, em 1ª instância, a CBF e a Federação Mineira de Futebol foram condenadas a pagar indenização por danos morais.
Houve recurso e o Tribunal reformou a decisão entendendo não ter havido provas cabais de que, de fato, eu teria ficado por horas na fila. De toda forma, foi uma das primeiras decisões do país fundamentadas no Estatuto do Torcedor e trouxe certa repercussão para o tema.
Universidade do Futebol - Um dos grandes problemas enfrentados pelo torcedor brasileiro em eventos esportivos diz respeito à comercialização de ingressos. E de acordo com o Estatuto do Torcedor, os bilhetes devem ser numerados e o consumidor tem o direito de ocupar o local correspondente ao número de seu ingresso no estádio. Por que há uma distância tão grande entre teoria e prática?
Gustavo Lopes - Infelizmente, o Brasil possui a cultura da “lei que pega e da lei que não pega”. Para que estas e outras disposições do Estatuto do Torcedor sejam cumpridas, é indispensável que haja participação do Poder Público, do Ministério Público, das Entidades do Desporto e do Torcedor. Principalmente do torcedor.
O que traz legitimidade para aplicação de uma lei é o povo, pois as leis são feitas pelo povo e para o povo. É importante que o torcedor saiba da existência da lei e que exija os seus direitos. O direito não se conquista pela existência da lei, mas pelo amadurecimento conquistado pelo uso reiterado. Portanto, somente teremos maior eficiência do Estatuto do Torcedor no momento em que o cidadão exigir o seu direito. Imagine milhares de ações movidas contra o descumprimento da Lei?
Universidade do Futebol - Você acredita que a aplicação das normas da Lei 10.671/2003 ocorrerá, de fato, no cenário brasileiro?
Gustavo Lopes - Sem dúvidas. A celeridade com que as alterações foram aprovadas demonstra a sensibilidade dos políticos com os direitos do torcedor. Ademais, o fato de o nosso país organizar os dois maiores eventos esportivos do mundo, a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016, obrigará as Entidades que cuidam do Desporto a se adequarem às exigências da Fifa e do COI. Entretanto, como já mencionei, nada será conquistado sem a efetiva participação do cidadão.
Universidade do Futebol - Na última semana, o presidente Lula sancionou a lei que torna mais rigoroso o Estatuto do Torcedor e prevê a criminalização dos atos de violência nos estádios de futebol, dentre outros temas. Qual a sua avaliação sobre isso e o que significará em curto, médio e longo prazos?Gustavo Lopes - Em um primeiro momento, vejo com bastante desconfiança pelo fato de se estar alterando uma legislação que ainda não é aplicada em sua plenitude. Por outro lado, entendo como positiva a sensibilidade do Poder Legislativo em conferir uma célere resposta aos fatos abomináveis ocorridos em Curitiba na última rodada do Campeonato Brasileiro de futebol de 2009.
Ademais, uma das exigências da Fifa para a Copa do Mundo diz respeito à segurança nos estádios. Neste esteio, as alterações são extremamente oportunas e podem alterar definitivamente o paradigma do modo de torcer do brasileiro.
Mudanças no Estatuto do Torcedor, sancionado por Lula, preveem criminalização de alguns atos; organizadas serão responsabilizadas por seus associados
Universidade do Futebol - De que maneira a sociedade civil organizada pode atuar na cobrança dos direitos do torcedor e fã do esporte?
Gustavo Lopes - A melhor forma de atuação é exigir o cumprimento. Como? Por meio de ações judiciais na Justiça comum, nos Juizados Especiais e, ainda, por intermédio de procedimentos administrativos nos PROCON´s, já que o torcedor é equiparado ao consumidor, aplicando-se todas as disposições do Código de Defesa do Consumidor.
Se todo cidadão acionar o Poder Judiciário quando se sentir lesado, certamente, diante da enxurrada de ações, os clubes e os organizadores dos eventos esportivos terão mais zelo os direitos do torcedor. Ocorreria algo semelhante ao ocorrido com o Código de Defesa do Consumidor, quando os maus fornecedores perderam mercado.
A mídia possui papel crucial na conscientização do torcedor de seus direitos e dos meios de assegurá-lo por meio de campanhas institucionais, debates, entrevistas e reportagens.
Universidade do Futebol - Em um de seus artigos, a necessidade de se assegurar os direitos dos torcedores é apontada como um anseio mundial. No caso de Portugal, por exemplo, o preço dos ingressos para as partidas de futebol não pode ficar à mercê do mercado, mas deve se ater à sua função social. É possível uma adaptação desta à realidade brasileira?
Gustavo Lopes - Claro. Aliás, analisar iniciativas de sucesso em outros países e adequá-las à nossa realidade é uma maneira de atingirmos uma situação próxima à ideal com maior rapidez.
Um tabelamento dos valores penso ser inviável, mas uma limitação ou um estabelecimento de cotas talvez oportunizasse maior acesso das diversas classes sociais aos estádios, democratizando o esporte.
Associação Portuguesa de Adeptos e os direitos dos torcedores portugueses
Universidade do Futebol - O que o Estatuto do Torcedor representa para a evolução do direito no país?
Gustavo Lopes - O Estatuto do Torcedor representa a grande oportunidade de mudarmos definitivamente nossa forma de apreciar o espetáculo esportivo. Deixamos de ser meros espectadores e passamos a ser titulares de direitos.
De 2003 para cá, apesar de não ter havido a plena efetivação do Estatuto do Torcedor, muito já se conquistou, como, por exemplo, o Campeonato Brasileiro por pontos corridos. Aliás, entre 1971 e 2003 nunca uma fórmula de disputa havia se repetido.
Os estádios melhoraram. Mas, ainda há muito que ser feito. Quando os clubes perceberem que o respeito ao torcedor corresponde a um investimento e que trará resultado financeiro e esportivo, serão criados Serviços de Atendimento ao Torcedor e o esporte brasileiro colherá frondosos frutos.
O Internacional, de Porto Alegre, organizou-se e recebeu o ISO 9001 em atendimento ao torcedor. Coincidência ou não, de lá pra cá os colorados conquistaram uma infinidade de títulos e está próximo de mais uma conquista de Libertadores.
Referência em termos de gestão, Inter possui 105 mil sócios em seu quadro e alcançou mais uma final de Libertadores
Universidade do Futebol - De maneira geral, como você analisa os departamentos jurídicos dos clubes brasileiros? Eles estão realmente preparados para as responsabilidades para as quais são designados?
Gustavo Lopes - Há muita gente boa, e profissionais fantásticos defendendo o interesse jurídico dos clubes. Entretanto, tal como ocorre com a administração dos clubes, o grande problema é o amadorismo. Os Departamentos Jurídicos, em sua maioria, são dirigidos por profissionais que o fazem sem remuneração, por paixão ao clube e que, portanto, possuem outras atividades.
Certamente, estes profissionais executam suas atividades no clube secundariamente às demais. Claro que o esporte desperta paixões e este amor nunca pode se esvair. Por outro lado, a profissionalização do esporte não deixa mais espaço para amadorismo. Os Departamentos Jurídicos dos clubes devem ser compostos por profissionais remunerados e comprometidos profissionalmente com o a entidade.
Universidade do Futebol - Quais as principais medidas de caráter estrutural que você julga fundamentais para o avanço da legislação desportiva brasileira? Pela importância e tradição, não deveríamos ter uma legislação que contemplasse unicamente o futebol?
Gustavo Lopes - Em primeiro lugar, é preciso que o Direito Desportivo seja lecionado nas Faculdades de Direito como matéria autônoma e obrigatória. Ademais, o maior estudo acadêmico com a profissionalização da atividade jurídico-desportiva oportunizará o debate e engrandecerá o Direito Desportivo.
Sobre a existência de uma legislação específica ao futebol, penso que, justamente pela sua importância, todo o arcabouço legislativo desportivo do Brasil é visivelmente espelhado no futebol.
Universidade do Futebol - Como profissional que atua no âmbito esportivo, quais as perspectivas que você vislumbra para a Copa do Mundo de 2014 e para os Jogos de 2016 em se considerando o direito desportivo?
Gustavo Lopes - No meu entendimento, as perspectivas são as melhores possíveis. Vivemos um momento de crescimento econômico e de auto-estima. Neste sentido, a organização destes grandes eventos esportivos acabará por coroar o momento que vivemos. Quando conquistamos o direito de organizar os Jogos Olímpicos, lembro-me do presidente Lula dizer que conquistamos nossa maioridade.
Este contexto trará visibilidade ao Direito Desportivo e, por conseqüência, oportunizará maior aprofundamento, debate e intercâmbio. Temos o Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD) e, em alguns estados, Institutos Regionais, como em Minas (IMDD), na Bahia (IBDD) e no Pernambuco (IPDD). Outros serão criados.
Em outubro será realizado, na Bahia, com organização do Instituto Baiano de Direito Desportivo, o II Seminário de Direito e Justiça a fim de debater temas atinentes aos grandes eventos esportivos.
Sem dúvidas, o Direito Desportivo experimentará um avanço nunca antes visto. E com o crescimento do Direito Desportivo, ganhará todo o desporto brasileiro.
A proposta ainda reconhece as torcidas organizadas, mas as responsabiliza pela atuação de seus filiados. Estas agremiações terão de cadastrar todos os seus membros e passam a responder civilmente, de forma objetiva e solidária, pelos danos causados por qualquer um de seus associados no local do evento esportivo, em suas imediações e no trajeto. Além disso, o aficionado que praticar atos de violência e vandalismo em um raio de até 5 km dos estádios, ou invadir o campo, pode ser punido com pagamento de multa e prisão.
Já os árbitros também podem ser punidos, em caso de interferência para mudar o resultado do jogo. Aí, a pena prevista é de reclusão de dois a seis anos. E uma questão é levantada nesse processo: o que significarão em curto, médio e longo prazos essas atualizações? O advogado Gustavo Lopes Pires de Souza, autor do livro “Estatuto do Torcedor: A Evolução dos Direitos do Consumidor do Esporte”, tem uma avaliação clara.
“Em um primeiro momento, vejo com bastante desconfiança pelo fato de se estar alterando uma legislação que ainda não é aplicada em sua plenitude. Por outro lado, entendo como positiva a sensibilidade do Poder Legislativo em conferir uma célere resposta aos fatos abomináveis ocorridos em Curitiba na última rodada do Campeonato Brasileiro de futebol de 2009”, afirmou, nesta entrevista concedida à Universidade do Futebol.
O membro dos Institutos Mineiro e Brasileiro de Direito Desportivo e Coordenador do curso de Capacitação em Direito Desportivo da Sateducacional cita o ocorrido no estádio Couto Pereira, de propriedade do Coritiba. Após o jogo contra o Fluminense, que resultou no rebaixamento da equipe coxa-branca à Série B do Nacional, torcedores locais invadiram o campo de jogo, tentaram agredir o trio de arbitragem e se envolveram em embate com policiais militares.
Com a alteração sancionada por Lula, por exemplo, os estádios do país também deverão se adequar às novas normas. Os locais com capacidade para 10 mil torcedores terão de ter uma central técnica de informações, com monitoramento nas catracas de acesso e da torcida. Antes, essa exigência aplicava-se a estádios com no mínimo 20 mil torcedores.
“A criminalização tem como objetivo estimular um ambiente mais pacífico”, argumentou o ministro do Esporte, Orlando Silva Jr.
Gustavo Lopes indica que a segurança nos estádios é uma das exigências da Fifa para a Copa do Mundo, cuja próxima edição será organizada pelo nosso país. Neste sentido, ele entende que as alterações são extremamente oportunas e podem alterar definitivamente o paradigma do modo de torcer do brasileiro.
“Quando os clubes perceberem que o respeito ao torcedor corresponde a um investimento e que trará resultado financeiro e esportivo, serão criados Serviços de Atendimento ao Torcedor e o esporte brasileiro colherá frondosos frutos”, indicou ainda, citando o modelo de gestão do Internacional como uma das principais referências. O desempenho dentro das quatro linhas, com a recente chegada à final da Copa Libertadores da América, justifica-se.
Livro nasceu de uma experiência negativa vivida por Gustavo durante duelo entre Brasil e Argentina, em Belo Horizonte
Universidade do Futebol - Você indica que a produção de sua obra não teve motivação teórica, mas sim nasceu de um caso concreto vivido por você, como freqüentador de estádios. Poderia comentar, por gentileza?
Gustavo Lopes - A verdade é que a maioria das obras jurídicas parte de uma premissa teórica para após buscar aplicação prática. No caso do meu livro, o caminho foi inverso. Em 2004, Eliminatórias Sul-Americanas para a Copa do Mundo da Alemanha, Brasil e Argentina se enfrentaram no Mineirão e eu fui um dos milhares de torcedores que, após horas na fila, não conseguiu adquirir ingresso.
Percebi que a perda de tempo e o insucesso na compra do bilhete se deram em virtude da falta de organização. Ademais, a venda não foi realizada em cinco pontos, como manda o Estatuto, além das informações sobre a venda de ingressos não terem sido claras.
Assim, propus Ação no Juizado das Relações de Consumo de Belo Horizonte, onde, em 1ª instância, a CBF e a Federação Mineira de Futebol foram condenadas a pagar indenização por danos morais.
Houve recurso e o Tribunal reformou a decisão entendendo não ter havido provas cabais de que, de fato, eu teria ficado por horas na fila. De toda forma, foi uma das primeiras decisões do país fundamentadas no Estatuto do Torcedor e trouxe certa repercussão para o tema.
Universidade do Futebol - Um dos grandes problemas enfrentados pelo torcedor brasileiro em eventos esportivos diz respeito à comercialização de ingressos. E de acordo com o Estatuto do Torcedor, os bilhetes devem ser numerados e o consumidor tem o direito de ocupar o local correspondente ao número de seu ingresso no estádio. Por que há uma distância tão grande entre teoria e prática?
Gustavo Lopes - Infelizmente, o Brasil possui a cultura da “lei que pega e da lei que não pega”. Para que estas e outras disposições do Estatuto do Torcedor sejam cumpridas, é indispensável que haja participação do Poder Público, do Ministério Público, das Entidades do Desporto e do Torcedor. Principalmente do torcedor.
O que traz legitimidade para aplicação de uma lei é o povo, pois as leis são feitas pelo povo e para o povo. É importante que o torcedor saiba da existência da lei e que exija os seus direitos. O direito não se conquista pela existência da lei, mas pelo amadurecimento conquistado pelo uso reiterado. Portanto, somente teremos maior eficiência do Estatuto do Torcedor no momento em que o cidadão exigir o seu direito. Imagine milhares de ações movidas contra o descumprimento da Lei?
Universidade do Futebol - Você acredita que a aplicação das normas da Lei 10.671/2003 ocorrerá, de fato, no cenário brasileiro?
Gustavo Lopes - Sem dúvidas. A celeridade com que as alterações foram aprovadas demonstra a sensibilidade dos políticos com os direitos do torcedor. Ademais, o fato de o nosso país organizar os dois maiores eventos esportivos do mundo, a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016, obrigará as Entidades que cuidam do Desporto a se adequarem às exigências da Fifa e do COI. Entretanto, como já mencionei, nada será conquistado sem a efetiva participação do cidadão.
Universidade do Futebol - Na última semana, o presidente Lula sancionou a lei que torna mais rigoroso o Estatuto do Torcedor e prevê a criminalização dos atos de violência nos estádios de futebol, dentre outros temas. Qual a sua avaliação sobre isso e o que significará em curto, médio e longo prazos?Gustavo Lopes - Em um primeiro momento, vejo com bastante desconfiança pelo fato de se estar alterando uma legislação que ainda não é aplicada em sua plenitude. Por outro lado, entendo como positiva a sensibilidade do Poder Legislativo em conferir uma célere resposta aos fatos abomináveis ocorridos em Curitiba na última rodada do Campeonato Brasileiro de futebol de 2009.
Ademais, uma das exigências da Fifa para a Copa do Mundo diz respeito à segurança nos estádios. Neste esteio, as alterações são extremamente oportunas e podem alterar definitivamente o paradigma do modo de torcer do brasileiro.
Mudanças no Estatuto do Torcedor, sancionado por Lula, preveem criminalização de alguns atos; organizadas serão responsabilizadas por seus associados
Universidade do Futebol - De que maneira a sociedade civil organizada pode atuar na cobrança dos direitos do torcedor e fã do esporte?
Gustavo Lopes - A melhor forma de atuação é exigir o cumprimento. Como? Por meio de ações judiciais na Justiça comum, nos Juizados Especiais e, ainda, por intermédio de procedimentos administrativos nos PROCON´s, já que o torcedor é equiparado ao consumidor, aplicando-se todas as disposições do Código de Defesa do Consumidor.
Se todo cidadão acionar o Poder Judiciário quando se sentir lesado, certamente, diante da enxurrada de ações, os clubes e os organizadores dos eventos esportivos terão mais zelo os direitos do torcedor. Ocorreria algo semelhante ao ocorrido com o Código de Defesa do Consumidor, quando os maus fornecedores perderam mercado.
A mídia possui papel crucial na conscientização do torcedor de seus direitos e dos meios de assegurá-lo por meio de campanhas institucionais, debates, entrevistas e reportagens.
Universidade do Futebol - Em um de seus artigos, a necessidade de se assegurar os direitos dos torcedores é apontada como um anseio mundial. No caso de Portugal, por exemplo, o preço dos ingressos para as partidas de futebol não pode ficar à mercê do mercado, mas deve se ater à sua função social. É possível uma adaptação desta à realidade brasileira?
Gustavo Lopes - Claro. Aliás, analisar iniciativas de sucesso em outros países e adequá-las à nossa realidade é uma maneira de atingirmos uma situação próxima à ideal com maior rapidez.
Um tabelamento dos valores penso ser inviável, mas uma limitação ou um estabelecimento de cotas talvez oportunizasse maior acesso das diversas classes sociais aos estádios, democratizando o esporte.
Associação Portuguesa de Adeptos e os direitos dos torcedores portugueses
Universidade do Futebol - O que o Estatuto do Torcedor representa para a evolução do direito no país?
Gustavo Lopes - O Estatuto do Torcedor representa a grande oportunidade de mudarmos definitivamente nossa forma de apreciar o espetáculo esportivo. Deixamos de ser meros espectadores e passamos a ser titulares de direitos.
De 2003 para cá, apesar de não ter havido a plena efetivação do Estatuto do Torcedor, muito já se conquistou, como, por exemplo, o Campeonato Brasileiro por pontos corridos. Aliás, entre 1971 e 2003 nunca uma fórmula de disputa havia se repetido.
Os estádios melhoraram. Mas, ainda há muito que ser feito. Quando os clubes perceberem que o respeito ao torcedor corresponde a um investimento e que trará resultado financeiro e esportivo, serão criados Serviços de Atendimento ao Torcedor e o esporte brasileiro colherá frondosos frutos.
O Internacional, de Porto Alegre, organizou-se e recebeu o ISO 9001 em atendimento ao torcedor. Coincidência ou não, de lá pra cá os colorados conquistaram uma infinidade de títulos e está próximo de mais uma conquista de Libertadores.
Referência em termos de gestão, Inter possui 105 mil sócios em seu quadro e alcançou mais uma final de Libertadores
Universidade do Futebol - De maneira geral, como você analisa os departamentos jurídicos dos clubes brasileiros? Eles estão realmente preparados para as responsabilidades para as quais são designados?
Gustavo Lopes - Há muita gente boa, e profissionais fantásticos defendendo o interesse jurídico dos clubes. Entretanto, tal como ocorre com a administração dos clubes, o grande problema é o amadorismo. Os Departamentos Jurídicos, em sua maioria, são dirigidos por profissionais que o fazem sem remuneração, por paixão ao clube e que, portanto, possuem outras atividades.
Certamente, estes profissionais executam suas atividades no clube secundariamente às demais. Claro que o esporte desperta paixões e este amor nunca pode se esvair. Por outro lado, a profissionalização do esporte não deixa mais espaço para amadorismo. Os Departamentos Jurídicos dos clubes devem ser compostos por profissionais remunerados e comprometidos profissionalmente com o a entidade.
Universidade do Futebol - Quais as principais medidas de caráter estrutural que você julga fundamentais para o avanço da legislação desportiva brasileira? Pela importância e tradição, não deveríamos ter uma legislação que contemplasse unicamente o futebol?
Gustavo Lopes - Em primeiro lugar, é preciso que o Direito Desportivo seja lecionado nas Faculdades de Direito como matéria autônoma e obrigatória. Ademais, o maior estudo acadêmico com a profissionalização da atividade jurídico-desportiva oportunizará o debate e engrandecerá o Direito Desportivo.
Sobre a existência de uma legislação específica ao futebol, penso que, justamente pela sua importância, todo o arcabouço legislativo desportivo do Brasil é visivelmente espelhado no futebol.
Universidade do Futebol - Como profissional que atua no âmbito esportivo, quais as perspectivas que você vislumbra para a Copa do Mundo de 2014 e para os Jogos de 2016 em se considerando o direito desportivo?
Gustavo Lopes - No meu entendimento, as perspectivas são as melhores possíveis. Vivemos um momento de crescimento econômico e de auto-estima. Neste sentido, a organização destes grandes eventos esportivos acabará por coroar o momento que vivemos. Quando conquistamos o direito de organizar os Jogos Olímpicos, lembro-me do presidente Lula dizer que conquistamos nossa maioridade.
Este contexto trará visibilidade ao Direito Desportivo e, por conseqüência, oportunizará maior aprofundamento, debate e intercâmbio. Temos o Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD) e, em alguns estados, Institutos Regionais, como em Minas (IMDD), na Bahia (IBDD) e no Pernambuco (IPDD). Outros serão criados.
Em outubro será realizado, na Bahia, com organização do Instituto Baiano de Direito Desportivo, o II Seminário de Direito e Justiça a fim de debater temas atinentes aos grandes eventos esportivos.
Sem dúvidas, o Direito Desportivo experimentará um avanço nunca antes visto. E com o crescimento do Direito Desportivo, ganhará todo o desporto brasileiro.
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