ESTATUTO
DO TORCEDOR E A INDENIZAÇÃO POR ERRO DE ARBITRAGEM
Na partida entre Corinthians
e Cruzeiro, válida pela 35ª rodada do Campeonato Brasileiro após marcar um
pênalti sobre o atacante Ronaldo, o árbitro Sandro Meira Ricci foi alvo de severas
críticas por parte da imprensa e dos membros da Comissão Técnica e jogadores do
Cruzeiro.
Um torcedor, insatisfeito
com a arbitragem, no exercício de seu direito constitucional de acesso ao
Judiciário e, amparando-se no Estatuto do Torcedor, propôs ação contra Sandro
Meira Ricci requerendo indenização por danos morais e materiais, conferindo-se
à causa o valor de R$ 20.100,00 (vinte mil e cem reais). A ação foi distribuída
no Juizado Especial de Belo Horizonte/MG sob o número 906078948.2010.8.13.0024.
Considerando-se a amplitude
do conceito de torcedor estabelecida no art. 2º[1]
dispensáveis maiores fundamentos acerca da legitimidade ativa do cidadão.
A primeira questão ser
analisada nesta ação é a legitimidade do árbitro em figurar no pólo passivo
(como réu da ação).
Destarte, o Estatuto do
Torcedor protege o consumidor de eventos esportivos em sua relação
consumeirista com os fornecedores do evento, definidos, no art. 3º como a
entidade responsável pela organização da competição e/ou a detentora do mando
de jogo.
Neste esteio, tendo-se como
base o Estatuto do Torcedor, a ação deveria ter sido proposta contra a CBF,
responsável pela competição e/ou contra o Sport Club Corinthians Paulista,
mandante, eis que não há qualquer relação de consumo entre o torcedor e o juiz
da partida.
Eventual ação contra a
pessoa natural do árbitro deveria ser proposta com fundamento exclusivo no
Código Civil Brasileiro em virtude de eventual responsabilidade civil por ato ilícito (arts.
186 e 927).
Analisando o mérito da
questão, de fato, nos termos do art. 30, do Estatuto do Torcedor, é direito do
torcedor que a arbitragem das competições desportivas seja independente,
imparcial e isenta de pressões.
Entretanto, a
responsabilidade do árbitro não é objetiva e para sua caracterização deve o
autor da ação indicar se o juiz da partida agiu com dolo (intenção) ou com
negligência, imprudência ou imperícia, o que não fora demonstrado no caso em comento.
Caso a ação tivesse sido
proposta contra a CBF ou o Corinthians, haveria responsabilidade objetiva
(independente de culpa). Por outro lado, a figura do árbitro na partida de
futebol corresponde a uma forma de solução de conflitos previamente pactuada
pelas partes (pelas Federações e competidores) em uma espécie de cláusula
especial prevista no regulamento.
Assim, impera a autonomia da
vontade das partes envolvidas, manifestada na medida em que são elas
(Federações e Clubes) que definem os procedimentos que disciplinarão a partida.
Ou seja, são criadas regras particulares e de comum acordo entre os
interessados.
Importante acrescer que,
realmente, durante os noventa minutos da partida a atividade do árbitro deve
consistir no fiel cumprimento das leis que o regem, o que, em nenhuma hipótese,
determina a ausência de falhas no seu atuar. Deve-se exigir do árbitro
honestidade e não perfeição. Assim, é dever do autor comprovar a má-fé do Juiz
da partida.
Concluir-se em sentido
diverso afigura-se inevitável afronta ao próprio direito que o torcedor quer
ver respeitado com a ação: uma arbitragem isenta de pressões, já que não há
maior pressão que a da exigência da perfeição, como bem ressaltou a Juíza Cíntia Souto Machado de Andrade Guedes, nos
autos do processo nº 2007.209.009534-1, comarca do Rio de Janeiro/RJ
Ademais, ao se tratar de
conseqüências da não marcação de um pênalti, a ação de indenização será
fulcrada no terreno das probabilidades e a responsabilização civil tem como
pressuposto a ocorrência efetiva de um dano. Além disso, é da essência do
torcedor sentimentos de toda ordem, inerentes, contudo, a uma partida de
futebol, inserida num contexto de campeonato e de partida decisiva. Trata-se de
mero dissabor oriundo das competições esportivas.
Imagine-se a insegurança
jurídica de uma competição se a cada divergência de arbitragem houvesse
demandas judiciais. Isso sem contar a pressão que os árbitros sofreriam a cada
partida temendo serem réus em ações judiciais o que, aí sim, afrontaria o art. 30
do Estatuto do Torcedor.
Portanto, apesar da
necessidade de maior conhecimento e utilização do Estatuto do Torcedor, o mesmo
não deve ser utilizado para questionar as regras da competição ou erros humanos
de arbitragem, mas, para garantir a eficiência e adequação na prestação do
serviço desportivo abrangendo a transparência na organização da competição,
segurança do torcedor partícipe do evento desportivo, venda de ingressos até
setenta e duas horas antes do início da partida correspondente, acesso a transporte
seguro e organizado, higiene e qualidade das instalações físicas dos estádios e
dos produtos alimentícios vendidos no local e observância, pelos Órgãos de
Justiça Desportiva, no exercício de suas funções, aos Princípios da
Impessoalidade, Moralidade, Celeridade, Publicidade e Independência, tudo em
conformidade com a Lei 10.671/03.
[1] Torcedor é toda pessoa que aprecie,
apóie ou se associe a qualquer entidade de prática desportiva do País e
acompanhe a prática de determinada modalidade esportiva.
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