CERVEJA PATROCINAR FUTEBOL:
PODE?
Por Gustavo Lopes Pires de Souza
Publicado
SOUZA, Gustavo Lopes Pires de. Cerveja Patrocinar Futebol: Pode?. Revista SÍNTESE Direito Desportivo, v. 41, p. 199-204, 2018.
RESUMO: Futebol
e cerveja fazem parte da cultura brasileira. Seria natural, então, que as
empresas de cerveja patrocinassem as equipes de futebol. Entretanto, no Brasil,
apesar de não haver proibição legal, há uma vedação administrativa por parte do
Conar.
PALAVRAS-CHAVE:
Futebol. Cerveja. Patrocínio. Legislação. CONAR.
ABSTRACT: Football and beer are part of Brazilian
culture. It would be natural, then, for beer companies to sponsor football
teams. However, in Brazil, although there is no legal prohibition, there is an
administrative seal by Conar.
KEY WORDS: Soccer. Beer. Sponsorship. Legislation.
CONAR.
Criada pelos sumérios por volta de 2100 a.C, a
cerveja teve sua primeira norma regulamentadora em 1760 a.C, a lei “Estela de
Hamurabi” que condenava à morte quem não respeitasse os critérios de produção
da bebida. Essa norma tratava da comercialização, fabricação e consumo de
cerveja, bem como estabelecia uma ração diária para o povo da Babilônia, a
saber: dois litros para os trabalhadores, 3 para os funcionários públicos e 5
para a nobreza.
Quatro mil anos depois, ainda existem normas
atinentes à cerveja, especialmente, aquelas que limitam seu consumo.
No futebol brasileiro a restrição à venda e consumo
de bebidas alcoólicas nos estádios de futebol iniciou nos anos 2000 sob o
fundamento de que havia proibição no Estatuto do Torcedor e de que o seu
consumo potencializaria a violência, apesar de não haver vedação expressa ou
comprovação de que causasse violência.
Tal questão foi objeto de análise em texto
publicado no Instituto Brasileiro de Direito Desportivo:
O fundamento jurídico para a medida pleiteada pelo
Ministério Público é a interpretação de que as bebidas alcoólicas sejam
suscetíveis de gerar ou possibilitar violência, razão pela qual, deveriam ser
proibidas nos termos do artigo 13-A, II, do Estatuto do Torcedor.
Entretanto, o Estatuto do Torcedor não proíbe a venda
de bebidas alcoólicas, mas, apenas estabelece como condição de acesso e
permanência do torcedor no recinto esportivo não portar objetos, bebidas ou
substâncias proibidas ou suscetíveis de gerar ou possibilitar a prática de atos
de violência.
Portanto, não há qualquer vedação expressa à venda de
bebidas alcoólicas e eventual proibição incorre em grave violação ao inciso II
da Constituição Brasileira ao dispor que ninguém poderá fazer ou deixar de
fazer algo senão em virtude de Lei. (SOUZA. 2015)
Após a Copa do Mundo de 2014, quando se vendeu e
consumiu cerveja nos estádios, gradativamente a bebida tem retornado às arenas
nas partidas de competições locais.
Os esporte possui imenso alcance publicitário como
bem ressalta Marcos Roberto Godoi:
Várias propagandas publicitárias na TV utilizam o
esporte para vender seus produtos ou reforçar as suas marcas. Conforme Betti
(1998, p. 78), no anúncio publicitário "não são apenas bolas e tênis (a
serem vendidos), o esporte pode vender tudo". Assim, podem-se ver
propagandas de bancos, companhias telefônicas, postos de gasolina, produtos
alimentícios, refrigerantes e até cervejas utilizando o esporte para vender
seus produtos ou serviços. É importante lembrar que no passado, o esporte
também foi utilizado para vender cigarros, como por exemplo, as marcas
Hollywood e Free, que utilizavam temas esportivos em suas campanhas.
Dessa forma, outro ponto que gera bastante debate é
a vinculação de marcas de cerveja com atividades esportivas.
As propagandas de produtos fumígeros, bebidas
alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas, é tratado pela Lei
9.294/96 que regulamenta o art. 220 da Constituição Federal:
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a
expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão
qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 3º Compete à lei federal:
II
- estabelecer os meios legais que
garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou
programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem
como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à
saúde e ao meio ambiente.
§ 4º A
propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e
terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do
parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os
malefícios decorrentes de seu uso.
Assim dispõe a Lei 9294/1996:
Art. 1º O uso e a propaganda de produtos fumígeros,
derivados ou não do tabaco, de bebidas alcoólicas, de medicamentos e terapias e
de defensivos agrícolas estão sujeitos às restrições e condições estabelecidas
por esta Lei, nos termos do § 4° do art. 220 da Constituição Federal.
Parágrafo único. Consideram-se bebidas alcoólicas,
para efeitos desta Lei, as bebidas potáveis com teor alcoólico superior a treze
graus Gay Lussac.
As cervejas possuem teor alcoólico inferior a 13
graus, dessa forma, para fins das restrições à propaganda, a cerveja não é
considerada bebida alcoólica.
Tal questão, inclusive, foi objeto de ação judicial
e o STF negou pedido da Procuradoria Geral da República para estender às
chamadas bebidas leves (como cerveja, vinho e ice) as mesmas restrições
aplicadas à propaganda das bebidas fortes (com grau alcóolico acima de 13
graus).
Assim manifestou-se a Ministra Carmem Lúcia em seu
voto:
Este Supremo teria que analisar a conveniência
política de normas de eleitos pelo povo [...] e reconhecer insuficiente a lei
9.294. E ainda desconsiderar a validade de normas criadas pelo Conselho
Nacional de Autorregulamentação Publicitária. Não compete ao Supremo
substituir-se nessa matéria, com seus critérios, aqueles que emanaram
legitimamente do legislador. Inexiste omissão, ainda que parcial.
Portanto, o patrocínio por empresas de cerveja de
entidades esportivas, atletas, competições e etc são legais.
Não obstante isso, o CONAR – Conselho de Autorregulamentação
Publicitária (entidade civil privada) que não tem nenhuma autorização legal
para estabelecer proibição recomenda em seu Anexo P o seguinte:
3. Princípio do consumo com responsabilidade social: a
publicidade não deverá induzir, de qualquer forma, ao consumo exagerado ou
irresponsável. Assim, diante deste princípio, nos anúncios de bebidas
alcoólicas:
l. não se utilizará uniforme de esporte olímpico como
suporte à divulgação da marca.
O CONAR foi criado nos anos 70, durante a Ditadura
Militar como forma de impedir a ameaça governamental de censura prévia às
propagandas e sua função é de manter a ética publicitária.
Já que é uma associação privada organizada por anunciantes,
agências de publicidade e veículos de comunicação, as decisões do CONAR não
possuem poder punitivo e são de cumprimento espontâneo.
Assim, além de não ser obrigatória, a proibição do
CONAR não é de cumprimento obrigatório, razão pela qual os clubes de futebol
podem divulgar marcas de cerveja em suas camisas.
Destaque-se, nesse ponto, que não existe qualquer
limitação para que árbitros, comissão técnica e outros personagens do evento
esportivo que não sejam os atletas, estampem marcas de cerveja em sua camisa.
Não há limitação, também, para o futsal ou beach soccer, já que não são
esportes olímpicos.
Em 2016, a marca espanhola “Estrella Galícia”
patrocinou o Corinthians, mas, acatou o Anexo P do CONAR e somente veiculou sua
marca de cerveja sem álcool e apenas nas camisas de treino e de viagem.
Quarta bebida mais vendida no mundo (atrás do café,
do chá e do suco de laranja), o Brasil é um dos poucos países que traz alguma
limitação aos patrocínios de marcas de cerveja no futebol.
Por exemplo ,na Argentina, a cerveja Quilmes, entre
1996 e 2001 patrocinou a duas equipes mais populares do país: Boca Jrs e River
Plate e na Inglaterra, a Carlsberg patrocina o Liverpool há mais de duas
décadas.
Ora, além de descabida, a vedação aventada pelo
CONAR não encontra respaldo constitucional e deve ser objeto de combate pelas
entidades que a compõem e pela sociedade civil, pois, além de prejudicar a
captação de patrocínio pelas grandes equipes de futebol, inviabiliza melhores
condições financeiras e de promoção à saúde e ao desporto quando se fala de
equipes pequenas e de futebol amador.
Considerando a relação intrínseca relação, é
natural que as empresas cervejeiras queiram atrelar seu nome ao futebol e
acabam o fazendo ao patrocinar atletas e treinadores individualmente, bem como
equipes fora do gramado e competições, como ocorreu com a Copa Kaiser de
futebol Amador realizada pela Federação Paulista de Futebol.
Ou seja, não faz sentido algum o fundamento ético
que embasa a proibição do CONAR.
Portanto, enquanto as agências de publicidade não
se voltarem contra a norma da auto-regulamentação do CONAR e contratarem
patrocínios para camisas de equipes de futebol, anualmente, as grandes equipes
perdem a oportunidade de receber investimentos milionários, e as equipes
menores e amadores perdem a chance de existir.
REFERÊNCIAS
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