sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

CERVEJA PATROCINAR FUTEBOL: PODE?


CERVEJA PATROCINAR FUTEBOL: PODE?
Por Gustavo Lopes Pires de Souza

Publicado 
SOUZA, Gustavo Lopes Pires de. Cerveja Patrocinar Futebol: Pode?. Revista SÍNTESE Direito Desportivo, v. 41, p. 199-204, 2018.

RESUMO: Futebol e cerveja fazem parte da cultura brasileira. Seria natural, então, que as empresas de cerveja patrocinassem as equipes de futebol. Entretanto, no Brasil, apesar de não haver proibição legal, há uma vedação administrativa por parte do Conar.

PALAVRAS-CHAVE: Futebol. Cerveja. Patrocínio. Legislação. CONAR.

ABSTRACT: Football and beer are part of Brazilian culture. It would be natural, then, for beer companies to sponsor football teams. However, in Brazil, although there is no legal prohibition, there is an administrative seal by Conar.

KEY WORDS: Soccer. Beer. Sponsorship. Legislation. CONAR.



Criada pelos sumérios por volta de 2100 a.C, a cerveja teve sua primeira norma regulamentadora em 1760 a.C, a lei “Estela de Hamurabi” que condenava à morte quem não respeitasse os critérios de produção da bebida. Essa norma tratava da comercialização, fabricação e consumo de cerveja, bem como estabelecia uma ração diária para o povo da Babilônia, a saber: dois litros para os trabalhadores, 3 para os funcionários públicos e 5 para a nobreza.

Quatro mil anos depois, ainda existem normas atinentes à cerveja, especialmente, aquelas que limitam seu consumo.

No futebol brasileiro a restrição à venda e consumo de bebidas alcoólicas nos estádios de futebol iniciou nos anos 2000 sob o fundamento de que havia proibição no Estatuto do Torcedor e de que o seu consumo potencializaria a violência, apesar de não haver vedação expressa ou comprovação de que causasse violência.

Tal questão foi objeto de análise em texto publicado no Instituto Brasileiro de Direito Desportivo:

O fundamento jurídico para a medida pleiteada pelo Ministério Público é a interpretação de que as bebidas alcoólicas sejam suscetíveis de gerar ou possibilitar violência, razão pela qual, deveriam ser proibidas nos termos do artigo 13-A, II, do Estatuto do Torcedor.
Entretanto, o Estatuto do Torcedor não proíbe a venda de bebidas alcoólicas, mas, apenas estabelece como condição de acesso e permanência do torcedor no recinto esportivo não portar objetos, bebidas ou substâncias proibidas ou suscetíveis de gerar ou possibilitar a prática de atos de violência.
Portanto, não há qualquer vedação expressa à venda de bebidas alcoólicas e eventual proibição incorre em grave violação ao inciso II da Constituição Brasileira ao dispor que ninguém poderá fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de Lei. (SOUZA. 2015)

Após a Copa do Mundo de 2014, quando se vendeu e consumiu cerveja nos estádios, gradativamente a bebida tem retornado às arenas nas partidas de competições locais.

Os esporte possui imenso alcance publicitário como bem ressalta Marcos Roberto Godoi:

Várias propagandas publicitárias na TV utilizam o esporte para vender seus produtos ou reforçar as suas marcas. Conforme Betti (1998, p. 78), no anúncio publicitário "não são apenas bolas e tênis (a serem vendidos), o esporte pode vender tudo". Assim, podem-se ver propagandas de bancos, companhias telefônicas, postos de gasolina, produtos alimentícios, refrigerantes e até cervejas utilizando o esporte para vender seus produtos ou serviços. É importante lembrar que no passado, o esporte também foi utilizado para vender cigarros, como por exemplo, as marcas Hollywood e Free, que utilizavam temas esportivos em suas campanhas.

Dessa forma, outro ponto que gera bastante debate é a vinculação de marcas de cerveja com atividades esportivas.

As propagandas de produtos fumígeros, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas, é tratado pela Lei 9.294/96 que regulamenta o art. 220 da Constituição Federal:

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

§ 3º Compete à lei federal:

        II -  estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.

    § 4º A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso.

Assim dispõe a Lei 9294/1996:

Art. 1º O uso e a propaganda de produtos fumígeros, derivados ou não do tabaco, de bebidas alcoólicas, de medicamentos e terapias e de defensivos agrícolas estão sujeitos às restrições e condições estabelecidas por esta Lei, nos termos do § 4° do art. 220 da Constituição Federal.

Parágrafo único. Consideram-se bebidas alcoólicas, para efeitos desta Lei, as bebidas potáveis com teor alcoólico superior a treze graus Gay Lussac.

As cervejas possuem teor alcoólico inferior a 13 graus, dessa forma, para fins das restrições à propaganda, a cerveja não é considerada bebida alcoólica.

Tal questão, inclusive, foi objeto de ação judicial e o STF negou pedido da Procuradoria Geral da República para estender às chamadas bebidas leves (como cerveja, vinho e ice) as mesmas restrições aplicadas à propaganda das bebidas fortes (com grau alcóolico acima de 13 graus).

Assim manifestou-se a Ministra Carmem Lúcia em seu voto:

Este Supremo teria que analisar a conveniência política de normas de eleitos pelo povo [...] e reconhecer insuficiente a lei 9.294. E ainda desconsiderar a validade de normas criadas pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária. Não compete ao Supremo substituir-se nessa matéria, com seus critérios, aqueles que emanaram legitimamente do legislador. Inexiste omissão, ainda que parcial.

Portanto, o patrocínio por empresas de cerveja de entidades esportivas, atletas, competições e etc são legais.

Não obstante isso, o CONAR – Conselho de Autorregulamentação Publicitária (entidade civil privada) que não tem nenhuma autorização legal para estabelecer proibição recomenda em seu Anexo P o seguinte:

3. Princípio do consumo com responsabilidade social: a publicidade não deverá induzir, de qualquer forma, ao consumo exagerado ou irresponsável. Assim, diante deste princípio, nos anúncios de bebidas alcoólicas:
l. não se utilizará uniforme de esporte olímpico como suporte à divulgação da marca.

O CONAR foi criado nos anos 70, durante a Ditadura Militar como forma de impedir a ameaça governamental de censura prévia às propagandas e sua função é de manter a ética publicitária.

Já que é uma associação privada organizada por anunciantes, agências de publicidade e veículos de comunicação, as decisões do CONAR não possuem poder punitivo e são de cumprimento espontâneo.

Assim, além de não ser obrigatória, a proibição do CONAR não é de cumprimento obrigatório, razão pela qual os clubes de futebol podem divulgar marcas de cerveja em suas camisas.

Destaque-se, nesse ponto, que não existe qualquer limitação para que árbitros, comissão técnica e outros personagens do evento esportivo que não sejam os atletas, estampem marcas de cerveja em sua camisa. Não há limitação, também, para o futsal ou beach soccer, já que não são esportes olímpicos.

Em 2016, a marca espanhola “Estrella Galícia” patrocinou o Corinthians, mas, acatou o Anexo P do CONAR e somente veiculou sua marca de cerveja sem álcool e apenas nas camisas de treino e de viagem.

Quarta bebida mais vendida no mundo (atrás do café, do chá e do suco de laranja), o Brasil é um dos poucos países que traz alguma limitação aos patrocínios de marcas de cerveja no futebol.

Por exemplo ,na Argentina, a cerveja Quilmes, entre 1996 e 2001 patrocinou a duas equipes mais populares do país: Boca Jrs e River Plate e na Inglaterra, a Carlsberg patrocina o Liverpool há mais de duas décadas.

Ora, além de descabida, a vedação aventada pelo CONAR não encontra respaldo constitucional e deve ser objeto de combate pelas entidades que a compõem e pela sociedade civil, pois, além de prejudicar a captação de patrocínio pelas grandes equipes de futebol, inviabiliza melhores condições financeiras e de promoção à saúde e ao desporto quando se fala de equipes pequenas e de futebol amador.

Considerando a relação intrínseca relação, é natural que as empresas cervejeiras queiram atrelar seu nome ao futebol e acabam o fazendo ao patrocinar atletas e treinadores individualmente, bem como equipes fora do gramado e competições, como ocorreu com a Copa Kaiser de futebol Amador realizada pela Federação Paulista de Futebol.

Ou seja, não faz sentido algum o fundamento ético que embasa a proibição do CONAR.

Portanto, enquanto as agências de publicidade não se voltarem contra a norma da auto-regulamentação do CONAR e contratarem patrocínios para camisas de equipes de futebol, anualmente, as grandes equipes perdem a oportunidade de receber investimentos milionários, e as equipes menores e amadores perdem a chance de existir.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Cerveja/História Fonte: https://pt.wikibooks.org/wiki/Cerveja/Hist%C3%B3ria?oldid=291490 Contribuidores: CommonsDelinker, He7d3r.bot, Erico, Erico Tachizawa, Cervisiafilia, MB-one e Anónimo: 6
CONAR. http://www.conar.org.br/ Acesso em 28 de abril de 2018.



GODOI. Marcos Roberto . http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-32892011000300008 Acesso em 02 de maio de 2018.


INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO DESPORTIVO. http://ibdd.com.br/mp-pode-barrar-bebidas-nos-estadios-de-futebol/ Acesso em 02 de maio de 2018.


JACKSON, M. Guia internacional do bar. Abril. Cultural.



PLANALTO. http://www4.planalto.gov.br/legislacao Acesso em 28 de abril de 2018.

SOUZA, Gustavo Lopes Pires de. Violência nos Estádios de Futebol na América do Sul: Causas e Soluções. 01. ed. Rio de Janeiro: Multifoco, 2016. v. 01. 229p .

SOUZA, Gustavo Lopes Pires de; MEDAUAR, C. ; OLIVEIRA, L. A. P. ; Lucas Ottoni ; DELBIN, G. N. . Direito Desportivo. 1. ed. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2014. v. 1. 291p

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