terça-feira, 11 de janeiro de 2022

ELEIÇÕES EM ENTIDADES DESPORTIVAS

 

ELEIÇÕES EM ENTIDADES DESPORTIVAS

 PUBLICADO NA 

2021 v. 21 n. 132 jul./ago.

Gustavo Lopes Pires de Souza

Mestre em Direito Desportivo pela Universidade de Lérida (Espanha); MBA em Consultoria e Gestão Empresarial; Especialista em Gestão em Marketing Digital; Ouvidor pela Escola Nacional da Administração Pública; Membro da Academia Nacional de Direito Desportivo; Colunista; Autor de livros e artigos publicados no Brasil e no exterior; Professor em instituições de ensino nacionais e internacionais; Palestrante de eventos e conferências no Brasil, América Latina e Europa. - @gustavolpsouza

 

Palavras Chave: Eleições – Entidades Desportivas – Federações Desportivas – Código Civil – Lei Pelé – Comissão Eleitoral – Processo Eleitoral – Princípios Norteadores

 

Resumo: O presente artigo trata das eleições das entidades desportivas, especialmente das Federações, observando-se o que trata a legislação brasileira e os princípios jusdesportivos. O texto enfrenta as alterações legislativas recentes e a polêmica judicialização.

 

 

Keywords: Elections - Sports Entities - Sports Federations - Civil Code - Pelé Law - Electoral Commission - Electoral Process - Guiding Principles

 

Abstract: This article deals with the elections of sports entities, especially Federations, observing what Brazilian legislation and sports principles are about. The text faces recent legislative changes and the controversial judicialization.

 

INTRODUÇÃO

 

O presente artigo trata das eleições das entidades desportivas, especialmente das Federações, observando-se o que trata a legislação brasileira e os princípios jusdesportivos.

 

Inicialmente,  apresenta-se as disposições legais do Código Civil Brasileiro e da Lei Geral do Esporte, conhecida como Lei Pelé.

 

Com as inovações recentes, tornou-se obrigatória a constituição de Comissão Eleitoral apartada da Diretoria. Assim, na sequência a nomeação e atuação desta comissão são analisadas.

 

Nesse contexto, faz-se uma análise dos princípios que devem nortear a condução do processo eleitoral,  enfocando-se as diretrizes da legislação eleitoral brasileira, da Constituição da República, da Lei Pelé e, ainda, as normativas internacionais, especialmente a Carta Olímpica.

 

Ponto bastante sensível quando se trata de eleições de entidades desportivas são as vias recursais e, principalmente, a judicialização. Sobre este último há uma análise corajosa e pontual.

 

Finalmente, apresenta-se as conclusões.

 

 

ELEIÇÕES DAS FEDERAÇÕES E O CÓDIGO CIVIL

 

As federações esportivas organizam-se como associações que são entidades formadas pela união de pessoas com objetivos não econômicos, tal como estabelece o art. 53, do Código Civil.

 

No que tange ao processo eleitoral das federações, é importante destacar o que dispõe o  art. 59 do Código Civil:

 

Art. 59. Compete privativamente à assembléia geral:

 

I - eleger os administradores;

 

II - destituir os administradores;

 

III - aprovar as contas;

 

IV - alterar o estatuto.

 

Parágrafo único. Para as deliberações a que se referem os incisos II e IV é exigido o voto concorde de dois terços dos presentes à assembléia especialmente convocada para esse fim, não podendo ela deliberar, em primeira convocação, sem a maioria absoluta dos associados, ou com menos de um terço nas convocações seguintes.

 

Conforme estabelece o inciso I, somente a assembléia geral, para a qual devem ser convocados todos os associados com direito a voto, podem eleger os diretores.  Assim, as eleições de diretoria não podem se dar por via indireta, ou seja, por meio de um Conselho ou assemelhado, que recebia variadas denominações (conselho deliberativo, eleitoral etc.).

 

ELEIÇÕES DAS FEDERAÇÕES E LEI PELÉ

 

As regras normativas para o processo eleitoral das entidades de práticas desportiva estão insculpidas no art. 22 da Lei Pelé: 

 

Art. 22. Os processos eleitorais assegurarão: 

 

I - colégio eleitoral constituído de todos os filiados no gozo de seus direitos, admitida a diferenciação de valor dos seus votos, observado o disposto no § 1o deste artigo;   (Redação dada pela Lei nº 13.756, de 2018) 

 

II - defesa prévia, em caso de impugnação, do direito de participar da eleição; 

 

III - eleição convocada mediante edital publicado em órgão da imprensa de grande circulação, por três vezes; 

 

IV – sistema de recolhimento dos votos imune a fraude, assegurada votação nãopresencial; (Redação dada pela Lei nº 14.073, de 2020) 

 

V - acompanhamento da apuração pelos candidatos e meios de comunicação. 

 

VI – constituição de pleito eleitoral por comissão apartada da diretoria da entidade desportiva; (Incluído pela Lei nº 14.073, de 2020). 

 

VII – processo eleitoral fiscalizado por delegados das chapas concorrentes e pelo conselho fiscal.     

 

DA COMISSÃO ELEITORAL

 

Conforme exposto, a maior novidade introduzida na Lei Pelé se deu em 2020 é a criação de uma comissão eleitoral apartada da diretoria para conduzir o pleito. Ou seja, a entidade deve nomear uma comissão composta por pessoas não pertencentes à diretoria. 

 

A lei não estabelece os requisitos que os membros devam preencher, entretanto, o ideal é que se siga o critério de notório saber jurídico e reputação ilibada, tal como ocorre em tribunais superiores. 

 

Uma vez nomeada a comissão eleitoral, cabe a ela conduzir com autonomia e independência o pleito eleitoral.

 

É importante que a comissão eleja um presidente para representá-la e para as decisões monocráticas.

 

Além disso, é recomendável a nomeação de um secretário geral para auxiliar a comissão eleitoral nas questões administrativas. 

 

DA SECRETARIA GERAL

 

A figura da secretaria é corriqueira para aqueles que atuam na Justiça Desportiva. Trata-se de previsão do art. 23 do Código Brasileiro da Justiça Desportiva.

 

O Secretário Geral tem funções administrativas como (i) receber, registrar, protocolar e autuar documentos; (ii) cumprir os atos de intimações; (iii) prestar às partes interessadas as informações relativas ao andamento do processo eleitoral; (iv) ter em boa guarda documentos relevantes para o processo eleitoral; (v) - expedir certidões por determinação da Comissão Eleitoral; (vi) - receber, protocolar e registrar os recursos interpostos.

 

Em outras palavras, o Secretário Geral possui função auxiliar de extrema relevância para o procedimento eleitoral.

 

DO PROCESSO ELEITORAL

 

A Lei Pelé propositadamente indica princípios, mas não exaure o tema de forma que a comissão eleitoral conduza o pleito de forma independente e segundo os princípios da Constituição Brasileira, da própria Lei Geral do Desporto, do Código Civil e do direito eleitoral. 

 

Assim, o processo eleitoral deve atentar-se aos seguintes princípios[1]

 

a). Contraditório; 

b). Ampla Defesa; 

c). Transparência; 

d). Proporcionalidade; 

e). Democracia; 

f). Lisura; 

g). Aproveitamento do voto; 

h). Celeridade; 

i). Preclusão Instantânea[2]

j). Imeaticidade; 

k). Autonomia; 

l). Imparcialidade; 

m). Participação democrática; 

n). Publicidade. 

 

Dessa forma, os atos da comissão eleitoral ao seguirem os princípios supra são soberanos e, caso atuem de forma contrária à legislação ou aos princípios, devem ser questionados dentro do sistema federativo, ou seja, mediante recurso apresentado ao Comitê Olímpico Brasileiro ou à Federação Internacional.

 

Estas instituições, caso constatem atos lesivos à federação devem realizar intervenção tal como já ocorreu em outras modalidades. 

 

Isso porque a Lei Pelé em seu art. 1º, parágrafo 3º, dispõe que os direitos e as garantias atinentes ao esporte não excluem outros oriundos de tratados e acordos internacionais firmados pela República Federativa do Brasil.

 

Em outras palavras, a Lei Pelé recepciona os estatutos das Federações Internacionais e a Carta Olímpica.  Além disso, o art. 217 da Constituição assegura a autonomia das entidades desportivas. 

 

Portanto, o Judiciário somente há de ser acionado em situações excepcionais e mediante gravíssima violação. 

 

Nesse esteio, é recomendável que a Comissão eleitoral se atentando aos princípios supra destacados, e em consonância com o art. 22, II, da Lei Pelé oportunize aos interessados a apresentação de impugnação e que, formalidades como prazo e apresentação de documentos sejam mitigados em nome de princípios maiores. 

 

Assim, a comissão eleitoral pode e deve dilatar prazos, convocar interessados, intimar de decisões, reabrir prazos, dentre outras medidas razoáveis para consagrar a democracia. 

 

O mais importante é que o processo eleitoral transcorra de forma transparente e democrática de forma que todos possam participar do processo eleitoral. 

 

A condução do processo eleitoral por marte da Comissão inicia-se com a sua nomeação sendo dever dela examinar todas as candidaturas, recolher todas as informações úteis sobre os candidatos.

 

Diante disso, a Comissão Eleitoral deve verificar a elegibilidade, a origem e a admissibilidade de cada candidatura.

 

A Comissão Eleitoral conduzirá a assembleia eleitoral ou a sua fração, caso existam outros itens em pauta, resolverá as questões incidentais de forma imediata e encerrará a sua atuação proclamando o resultado das eleições.

 

No que tange à remuneração dos membros da Comissão Eleitoral, não há previsão de obrigatoriedade ou vedação legal. De toda sorte, considerando-se a necessidade de conhecimento técnico, a importância e a complexidade de suas funções, é recomendável que seja pactuada remuneração.

 

DOS RECURSOS CABÍVEIS E DA JUDICIALIZAÇÃO

 

A Constituição da República, em seu art. 217, assegura o direito ao desporto de forma independente de outros direitos fundamentais como o lazer, a educação e a saúde.

 

O desporto tem como um de seus objetivos o próprio desenvolvimento da pessoa. Logo, o exercício desse direito não pode sofrer limitações.

 

Segundo já mencionado no art. 217, o Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, regulada em lei.

 

É recomendável que o estatuto da Federação seja claro quando ao órgão recursal, mas, caso não o seja, no sistema desportivo sempre há a possibilidade de recurso para as Federações Internacionais ou ao Comitê Olímpico Brasileiro (COB) que podem, inclusive, realizar intervenção.

 

A autonomia federativa desportiva prevista na Constituição brasileira implica em carência de ação antes de se exaurir todas as instâncias desportivas.

 

Isso porque o constituinte destacou que discussões sobre regulamentos e disciplinas ligadas ao desporto devem ser solucionadas de forma autonômica dentro do sistema desportivo.

 

Eventual judicialização antes de se exaurir as vias administrativas viola gravemente a autonomia da entidade desportiva e a atuação das Comissões Eleitorais.

 

Neste contexto, importante ressaltar que o art. 1º, § 1º, da Lei Pelé estabelece que a prática desportiva formal é regulada por normas nacionais e internacionais e pelas regras de prática desportiva de cada modalidade, aceitas pelas respectivas entidades nacionais de administração do desporto.

 

Dessa forma, em se tratando de entidade desportiva que faça parte do movimento olímpico, há de se observar o Princípio Fundamental do Olimpismo de número 6 insculpido na Carta Olímpica:

 

Reconhecendo que o desporto ocorre no contexto da sociedade, as organizações desportivas no seio do Movimento Olímpico devem ter direitos e obrigações de autonomia, que incluem a liberdade de estabelecer e controlar as regras da modalidade desportiva, determinar a estrutura e governança das suas organizações, gozar do direito a eleições livres de qualquer influência externa e a responsabilidade de assegurar que os princípios da boa governança são aplicados.

 

Ou seja, as eleições não podem sofrer interferências externas do Poder Judiciário, o que, reitere-se é recepcionado pelo direito brasileiro, nos moldes do art. 1º, da Lei Pelé.

 

CONCLUSÃO

 

Diante de todo o exposto conclui-se que as eleições das entidades desportivas deve se atentar ao que estabelece a legislação brasileira e os princípios eleitorais tendo a Comissão Eleitoral autonomia e eindependência na condução do pleito.

 

O Judiciário tem o papel regulador do processo sem, no entanto, poder interferir no seu mérito, sob o risco de violar a autonomia das instituições desportivas prevista no art. 217, da Constituição, bem como toda a normativa do sistema desportivo.

 

As Comissões Eleitorais devem conduzir o pleito com transparência e oportunizar aos interessados ampla defesa e contraditório para, ao final, proclamar o resultado do pleito eleitoral de forma legítima.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

CARTA OLÍMPICA

https://www.fadu.pt/files/protocolos-contratos/PNED_publica_CartaOlimpica.pdf

 

CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm

 

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm

 

CÓDIGO ELEITORAL BRASILEIRO

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4737compilado.htm

 

LEI PELÉ

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9615Compilada.htm



[1] Veja os arts. 147, § 1º, 149 e 223, todos do Código Eleitoral.

[2] Art. 223: “A nulidade de qualquer ato, não decretada de ofício pela Junta, só poderá ser arguida quando da sua prática, não podendo mais ser alegada, salvo se a arguição se basear em motivo superveniente ou de ordem constitucional.".(  LEI Nº 4.737, DE 15 DE JULHO DE 1965. Acesso em: 22/03/2021.) Este princípio é uma decorrência da celeridade, consubstancia-se numa série de regras que visam dar sequencia ao processo eleitoral.

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