ELEIÇÕES EM
ENTIDADES DESPORTIVAS
Gustavo
Lopes Pires de Souza
Mestre
em Direito Desportivo pela Universidade de Lérida (Espanha); MBA em Consultoria
e Gestão Empresarial; Especialista em Gestão em Marketing Digital; Ouvidor pela
Escola Nacional da Administração Pública; Membro da Academia Nacional de
Direito Desportivo; Colunista; Autor de livros e artigos publicados no Brasil e
no exterior; Professor em instituições de ensino nacionais e internacionais;
Palestrante de eventos e conferências no Brasil, América Latina e Europa. -
@gustavolpsouza
Palavras Chave: Eleições –
Entidades Desportivas – Federações Desportivas – Código Civil – Lei Pelé –
Comissão Eleitoral – Processo Eleitoral – Princípios Norteadores
Resumo: O presente artigo
trata das eleições das entidades desportivas, especialmente das Federações,
observando-se o que trata a legislação brasileira e os princípios
jusdesportivos. O texto enfrenta as alterações legislativas recentes e a
polêmica judicialização.
Keywords: Elections - Sports
Entities - Sports Federations - Civil Code - Pelé Law - Electoral Commission -
Electoral Process - Guiding Principles
Abstract: This article deals
with the elections of sports entities, especially Federations, observing what
Brazilian legislation and sports principles are about. The text faces recent
legislative changes and the controversial judicialization.
INTRODUÇÃO
O
presente artigo trata das eleições das entidades desportivas, especialmente das
Federações, observando-se o que trata a legislação brasileira e os princípios
jusdesportivos.
Inicialmente, apresenta-se as disposições legais do Código
Civil Brasileiro e da Lei Geral do Esporte, conhecida como Lei Pelé.
Com
as inovações recentes, tornou-se obrigatória a constituição de Comissão
Eleitoral apartada da Diretoria. Assim, na sequência a nomeação e atuação desta
comissão são analisadas.
Nesse
contexto, faz-se uma análise dos princípios que devem nortear a condução do
processo eleitoral, enfocando-se as
diretrizes da legislação eleitoral brasileira, da Constituição da República, da
Lei Pelé e, ainda, as normativas internacionais, especialmente a Carta
Olímpica.
Ponto
bastante sensível quando se trata de eleições de entidades desportivas são as
vias recursais e, principalmente, a judicialização. Sobre este último há uma
análise corajosa e pontual.
Finalmente,
apresenta-se as conclusões.
ELEIÇÕES DAS FEDERAÇÕES E O CÓDIGO CIVIL
As
federações esportivas organizam-se como associações que são entidades formadas
pela união de pessoas com objetivos não econômicos, tal como estabelece o art.
53, do Código Civil.
No
que tange ao processo eleitoral das federações, é importante destacar o que
dispõe o art. 59 do Código Civil:
Art. 59. Compete
privativamente à assembléia geral:
I - eleger os
administradores;
II - destituir os
administradores;
III - aprovar as
contas;
IV - alterar o
estatuto.
Parágrafo único.
Para as deliberações a que se referem os incisos II e IV é exigido o voto
concorde de dois terços dos presentes à assembléia especialmente convocada para
esse fim, não podendo ela deliberar, em primeira convocação, sem a maioria
absoluta dos associados, ou com menos de um terço nas convocações seguintes.
Conforme
estabelece o inciso I, somente a assembléia geral, para a qual devem ser
convocados todos os associados com direito a voto, podem eleger os
diretores. Assim, as eleições de
diretoria não podem se dar por via indireta, ou seja, por meio de um Conselho
ou assemelhado, que recebia variadas denominações (conselho deliberativo,
eleitoral etc.).
ELEIÇÕES DAS FEDERAÇÕES E LEI PELÉ
As regras normativas para o
processo eleitoral das entidades de práticas desportiva estão insculpidas no
art. 22 da Lei Pelé:
Art. 22. Os processos eleitorais assegurarão:
I - colégio eleitoral constituído de todos os filiados no
gozo de seus direitos, admitida a diferenciação de valor dos seus votos,
observado o disposto no § 1o deste artigo; (Redação
dada pela Lei nº 13.756, de 2018)
II - defesa prévia, em caso de impugnação, do direito de
participar da eleição;
III - eleição convocada mediante edital publicado em órgão
da imprensa de grande circulação, por três vezes;
IV – sistema de recolhimento dos votos imune a fraude,
assegurada votação nãopresencial; (Redação dada pela
Lei nº 14.073, de 2020)
V - acompanhamento da apuração pelos candidatos e meios de
comunicação.
VI – constituição de pleito eleitoral por comissão apartada
da diretoria da entidade desportiva; (Incluído pela Lei nº 14.073, de
2020).
VII – processo eleitoral fiscalizado por delegados das
chapas concorrentes e pelo conselho fiscal.
DA COMISSÃO ELEITORAL
Conforme exposto, a maior novidade
introduzida na Lei Pelé se deu em 2020 é a criação de uma comissão eleitoral
apartada da diretoria para conduzir o pleito. Ou seja, a entidade deve nomear
uma comissão composta por pessoas não pertencentes à diretoria.
A lei não estabelece os requisitos
que os membros devam preencher, entretanto, o ideal é que se siga o critério de
notório saber jurídico e reputação ilibada, tal como ocorre em tribunais
superiores.
Uma vez nomeada a comissão
eleitoral, cabe a ela conduzir com autonomia e independência o pleito
eleitoral.
É importante que a comissão eleja
um presidente para representá-la e para as decisões monocráticas.
Além disso, é recomendável a
nomeação de um secretário geral para auxiliar a comissão eleitoral nas questões
administrativas.
DA SECRETARIA GERAL
A figura da secretaria é
corriqueira para aqueles que atuam na Justiça Desportiva. Trata-se de previsão
do art. 23 do Código Brasileiro da Justiça Desportiva.
O Secretário Geral tem funções
administrativas como (i) receber, registrar, protocolar e autuar
documentos; (ii) cumprir os atos de intimações; (iii) prestar às partes
interessadas as informações relativas ao andamento do processo eleitoral; (iv)
ter em boa guarda documentos relevantes para o processo eleitoral; (v) -
expedir certidões por determinação da Comissão Eleitoral; (vi) - receber,
protocolar e registrar os recursos interpostos.
Em outras palavras, o Secretário Geral possui função auxiliar
de extrema relevância para o procedimento eleitoral.
DO PROCESSO ELEITORAL
A Lei Pelé propositadamente indica
princípios, mas não exaure o tema de forma que a comissão eleitoral conduza o
pleito de forma independente e segundo os princípios da Constituição Brasileira, da própria Lei Geral do Desporto, do Código Civil e
do direito eleitoral.
Assim, o processo eleitoral deve
atentar-se aos seguintes princípios[1]:
a). Contraditório;
b). Ampla Defesa;
c). Transparência;
d). Proporcionalidade;
e). Democracia;
f). Lisura;
g). Aproveitamento do voto;
h). Celeridade;
i). Preclusão Instantânea[2];
j). Imeaticidade;
k). Autonomia;
l). Imparcialidade;
m). Participação democrática;
n). Publicidade.
Dessa forma, os atos da comissão
eleitoral ao seguirem os princípios supra são soberanos e, caso atuem de forma
contrária à legislação ou aos princípios, devem ser questionados dentro do
sistema federativo, ou seja, mediante recurso apresentado ao Comitê Olímpico
Brasileiro ou à Federação Internacional.
Estas instituições, caso constatem
atos lesivos à federação devem realizar intervenção tal como já ocorreu em
outras modalidades.
Isso porque a Lei Pelé em seu art.
1º, parágrafo 3º, dispõe que os direitos e as garantias atinentes ao esporte
não excluem outros oriundos de tratados e acordos internacionais firmados pela
República Federativa do Brasil.
Em outras palavras, a Lei Pelé
recepciona os estatutos das Federações Internacionais e a Carta Olímpica. Além disso, o art. 217 da Constituição assegura a
autonomia das entidades desportivas.
Portanto, o Judiciário somente há
de ser acionado em situações excepcionais e mediante gravíssima violação.
Nesse esteio, é recomendável que a
Comissão eleitoral se atentando aos princípios supra destacados, e em
consonância com o art. 22, II, da Lei Pelé oportunize aos interessados a
apresentação de impugnação e que, formalidades como prazo e apresentação de
documentos sejam mitigados em nome de princípios maiores.
Assim, a comissão eleitoral pode e
deve dilatar prazos, convocar interessados, intimar de decisões, reabrir
prazos, dentre outras medidas razoáveis para consagrar
a democracia.
O mais importante é que o processo
eleitoral transcorra de forma transparente e democrática de forma que todos
possam participar do processo eleitoral.
A condução do processo eleitoral por marte da Comissão
inicia-se com a sua nomeação sendo dever dela examinar todas as candidaturas,
recolher todas as informações úteis sobre os candidatos.
Diante disso, a Comissão Eleitoral deve verificar a
elegibilidade, a origem e a admissibilidade de cada candidatura.
A Comissão Eleitoral conduzirá a assembleia eleitoral ou a
sua fração, caso existam outros itens em pauta, resolverá as questões incidentais
de forma imediata e encerrará a sua atuação proclamando o resultado das
eleições.
No que tange à remuneração dos membros da Comissão Eleitoral,
não há previsão de obrigatoriedade ou vedação legal. De toda sorte,
considerando-se a necessidade de conhecimento técnico, a importância e a
complexidade de suas funções, é recomendável que seja pactuada remuneração.
DOS RECURSOS CABÍVEIS E DA JUDICIALIZAÇÃO
A Constituição da República, em seu art. 217, assegura o direito
ao desporto de forma independente de outros direitos fundamentais como o lazer,
a educação e a saúde.
O desporto tem como um de seus objetivos o próprio desenvolvimento
da pessoa. Logo, o exercício desse direito não pode sofrer limitações.
Segundo já mencionado no art. 217, o Poder Judiciário só admitirá
ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as
instâncias da justiça desportiva, regulada em lei.
É recomendável que o estatuto da Federação seja claro quando ao
órgão recursal, mas, caso não o seja, no sistema desportivo sempre há a
possibilidade de recurso para as Federações Internacionais ou ao Comitê
Olímpico Brasileiro (COB) que podem, inclusive, realizar intervenção.
A autonomia federativa desportiva prevista na Constituição
brasileira implica em carência de ação antes de se exaurir todas as instâncias
desportivas.
Isso porque o constituinte destacou que discussões sobre
regulamentos e disciplinas ligadas ao desporto devem ser solucionadas de forma
autonômica dentro do sistema desportivo.
Eventual judicialização antes de se exaurir as vias
administrativas viola gravemente a autonomia da entidade desportiva e a atuação
das Comissões Eleitorais.
Neste contexto, importante ressaltar que o art. 1º, § 1º, da Lei
Pelé estabelece que a prática desportiva formal é regulada por normas nacionais
e internacionais e pelas regras de prática desportiva de cada modalidade,
aceitas pelas respectivas entidades nacionais de administração do desporto.
Dessa forma, em se tratando de entidade desportiva que faça parte
do movimento olímpico, há de se observar o Princípio Fundamental do Olimpismo
de número 6 insculpido na Carta Olímpica:
Reconhecendo que o
desporto ocorre no contexto da sociedade, as organizações desportivas no seio
do Movimento Olímpico devem ter direitos e obrigações de autonomia, que incluem
a liberdade de estabelecer e controlar as regras da modalidade desportiva, determinar
a estrutura e governança das suas organizações, gozar do direito a eleições
livres de qualquer influência externa e a responsabilidade de assegurar que os
princípios da boa governança são aplicados.
Ou seja, as eleições não podem sofrer interferências externas do
Poder Judiciário, o que, reitere-se é recepcionado pelo direito brasileiro, nos
moldes do art. 1º, da Lei Pelé.
CONCLUSÃO
Diante
de todo o exposto conclui-se que as eleições das entidades desportivas deve se
atentar ao que estabelece a legislação brasileira e os princípios eleitorais
tendo a Comissão Eleitoral autonomia e eindependência na condução do pleito.
O
Judiciário tem o papel regulador do processo sem, no entanto, poder interferir
no seu mérito, sob o risco de violar a autonomia das instituições desportivas
prevista no art. 217, da Constituição, bem como toda a normativa do sistema
desportivo.
As
Comissões Eleitorais devem conduzir o pleito com transparência e oportunizar
aos interessados ampla defesa e contraditório para, ao final, proclamar o
resultado do pleito eleitoral de forma legítima.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
CARTA
OLÍMPICA
https://www.fadu.pt/files/protocolos-contratos/PNED_publica_CartaOlimpica.pdf
CÓDIGO
CIVIL BRASILEIRO. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm
CONSTITUIÇÃO
DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm
CÓDIGO
ELEITORAL BRASILEIRO
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4737compilado.htm
LEI
PELÉ
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9615Compilada.htm
[1] Veja
os arts. 147, § 1º, 149 e 223, todos do Código Eleitoral.
[2] Art.
223: “A nulidade de qualquer ato, não decretada de ofício pela Junta, só poderá
ser arguida quando da sua prática, não podendo mais ser alegada, salvo se a
arguição se basear em motivo superveniente ou de ordem
constitucional.".( LEI Nº 4.737, DE
15 DE JULHO DE 1965. Acesso em: 22/03/2021.) Este princípio é uma decorrência
da celeridade, consubstancia-se numa série de regras que visam dar sequencia ao
processo eleitoral.
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